A fúria de Antônio

O ano de 1826 também foi um ano difícil para Joãozinho Bosco. Talvez tenha sido o inverno mais triste de sua vida. A sua avó, Margarida Zucca, falecera no dia 11 de fevereiro. Ela tinha um pouco mais de 80 anos. Com a saúde bastante prejudicada, viveu serenamente os seus últimos dias. Teve o cuidado total de sua nora, Mamãe Margarida, que não saía de perto da sua cama para lhe garantir todos os cuidados necessários.

Nesta época, Antônio – o meio-irmão de João Bosco – já tinha chegado aos 18 anos. Estava cada vez mais “afastado” de sua família e a sua agressividade com todos em casa era crescente.

No final deste ano, por volta de outubro, Mamãe Margarida cogitou a possibilidade de fazer João retornar para a escola de Castelnuovo, com o Pe. Lacqua, por mais um ano. Agora teria chance de aprender os fundamentos do latim. Antônio se enfureceu quando soube dos planos de Margarida. Dizia, agressivamente: “Por que temos necessidade de latim nesta casa? Precisamos sim trabalhar… Trabalhar!”.

É bem provável que Margarida tivesse conversado em alguma oportunidade com Antônio sobre a possibilidade João tornar-se padre um dia. Mas como Joãozinho mesmo dizia muitas vezes em casa, eram necessárias cerca de dez mil liras para entrar no seminário e cobrir todas as futuras despesas. Um valor inimaginável para uma família de camponeses. Naquela época era o próprio candidato, com a ajuda da sua família, que arcava com as despesas pessoais, de estudo e de hospedagem nos seminários. É claro que Antônio sequer aceitou ouvir tal possibilidade.

O temperamento de Antônio e as suas reações precisam ser compreendidas dentro do contexto complicado em que esse jovem cresceu. Precisamos lembrar que ele muito cedo perdeu a sua mãe e logo depois o seu pai. Embora tenha sido criado com muito amor por Mamãe Margarida, certamente lhe entristecia o coração a falta de seu pai e de sua mãe. Mais ainda, lhe pesava o fato de se tornar prematuramente o homem da casa, responsável pelo sustento de uma família que não tinha condições financeiras tão confortáveis assim. E para alguém criado para o trabalho, que sabe o quanto custa para trazer o alimento para casa, um irmão que não vai trabalhar são dois preciosos braços a menos na labuta do campo. É claro que este contexto não justifica alguma atitude mais rude por parte dele, mas ajuda a olhar com mais misericórdia para este rapaz que também enfrentou muito cedo as dores da orfandade e da pobreza extrema.

Mamãe Margarida, que queria o bem de todos de casa – inclusive de Antônio – dava um jeito de ajudar a todos com o mínimo de conflitos possível. Com a desculpa de precisar dar recados para sua tia Mariana e para o seu avô (afinal, naquela época não havia telefone!), João podia aproveitar as idas para Capriglio e frequentar algumas aulas durante o inverno de 1826-27.

Mas Antônio não amolecia. Constantemente tinha seus ataques de raiva. Em um certo dia, Joãozinho colocou um livro sobre a mesa ao lado de seu prato. Antônio, primeiro com Mamãe Margarida, e depois para seu irmão José, disse em tom imperativo: “Chega. Vou dar um jeito nesta gramática. Eu cresci forte e gordo sem nunca ler um livro”. Sem conseguir segurar a raiva, Joãozinho responde o que não devia: “Pois é, o nosso burro também nunca foi à escola e é mais gordo e mais forte que você”. Joãozinho tentou correr, mas não conseguiu escapar da surra de Antônio.

Foi neste contexto familiar que Mamãe Margarida precisou tomar uma das decisões mais difíceis de sua vida. No próximo artigo, vamos saber o que aconteceu.

Pe. Glauco Félix Teixeira Landim, SDB
Animador das dimensões Vocacional, Missionária e de Evangelização e Catequese da Pastoral Juvenil Salesiana
E-mail:   [email protected] / Facebook: www.facebook.com/glaucosdb

 

ESPAÇO VALCOCCO – CAPÍTULOS

Capítulo 1: Espaço Valdocco: somos Dom Bosco que caminha

Capítulo 2: Um começo de vida marcado pela pobreza e por uma fatalidade

Capítulo 3: Uma mãe corajosa, amorosa e cheia de fé

Capítulo 4: Antônio, José e João: três irmãos muito diferentes

Capítulo 5: O início dos estudos de João Bosco e o começo dos conflitos familiares

Capítulo 6: Um sonho que ficou gravado profundamente na mente

Capítulo 7: Um sonho que é memória e profecia

Capítulo 8: Um sonho que envia um pastor para os jovens

Capítulo 9: Um saltimbanco de Deus

Capítulo 10: Deus tomou posse do teu coração

Capítulo 11: A fúria de Antônio

Capítulo 12: Um lugar com a família Moglia

Capítulo 13: Uma experiência rica de família e trabalho

Capítulo 14: Um tempo para aprender a falar com Deus

Capítulo 15: Um amigo inesperado

Capítulo 16: Um pai para Joãozinho Bosco

Capítulo 17: Um desastre que desfalece as esperanças

Capítulo 18: “O vaqueiro dos Becchi” retorna para a escola

Capítulo 19: Mais dificuldades na escola de Castelnuovo

Capítulo 20: Um amigo para toda a vida

Capítulo 21: “Se eu for sacerdote, serei muito diferente”

Capítulo 22: Férias em Sussambrino

Capítulo 23: O sacrifício de pedir ajuda

Capítulo 24: Chieri, uma cidade repleta de história, piedade e estudos

Capítulo 25: O início dos estudos em Chieri

Capítulo 26: Uma memória extraordinária

Capítulo 27: O cuidado de João em escolher suas amizades

Capítulo 28: A Sociedade da Alegria: uma maneira de evangelizar os colegas

Capítulo 29: O cultivo da espiritualidade na Sociedade da Alegria

Capítulo 30: João Bosco, filho de Maria Santíssima e testemunho da santidade para os seus colegas

Capítulo 31: O ano escolar de 1832-1833: a crisma de João Bosco e a ordenação do Pe. Cafasso

Capítulo 32: O amigo Luís Comollo

Capítulo 33: Um trabalho exigente no Café Pianta

Capítulo 34: Uma presença que causava admiração e fazia a diferença

Capítulo 35: A amizade e a conversão do judeu Jonas

Capítulo 36: Um jovem com muitos talentos e habilidades

Capítulo 37: Crise vocacional de João Bosco e a decisão de fazer-se franciscano

Capítulo 38: “Deus te prepara outro lugar, outra messe”

Capítulo 39: O Pe. Cinzano, instrumento da providência divina no caminho vocacional de João Bosco

Capítulo 40: O dia em que João Bosco recebeu a batina

Capítulo 41: E finalmente João entra no seminário

Os Salesianos em SP

Nós, Salesianos de Dom Bosco, somos uma organização internacional de pessoas dedicadas em tempo integral ao serviço dos jovens, especialmente dos mais pobres e abandonados.

Em qualquer lugar trabalhamos o desenvolvimento integral dos jovens, através da educação e da evangelização que está no centro do nosso compromisso.

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