A superação da ‘coisificação’ da pessoa

A ação humana deve sempre significar algo propositado, consciente e voltado à realização de determinados fins e/ou intenções. Essa constatação é essencial para a compreensão das ações de Dom Bosco na constante busca de uma juventude capaz de desempenhar as funções de agente da história e de partícipe da glória. Sendo assim, é meu propósito analisar, com o presente artigo, a incrível aproximação entre as ações de Dom Bosco, a partir de sua opção por um trabalho identificado com a juventude, com as ideias de Emmanuel Mournier, com a Filosofia Personalista.

Para Dom Bosco, a inserção ativa do jovem na sociedade, mediante o trabalho, a honradez e o exemplo de vida era fundamental para que o mesmo tivesse uma participação social de relevância e uma identificação especial com os ensinamentos evangélicos. Sobre os jovens abandonados, ele disse: “Se uma mão benfeitora os afasta oportunamente dos perigos, encaminha-os para uma carreira honrosa e forma-os na virtude por meio da religião, será um benefício para eles, tornando-os bons cristãos e honestos cidadãos”.

Na vida de Dom Bosco, no seu papel de educador, toda ação para a inserção do jovem na sociedade defendia o contemplar, o olhar com atenção, o considerar com admiração ou com amor (dimensão espiritual) todas as práticas cristãs que caracterizavam as casas salesianas.

As coincidências das ações

O objetivo de Dom Bosco era consolidar uma proposta de educação a serviço da pessoa humana. Ocorreu, porém, uma grande aproximação com as ideias de Emmanuel Mournier (1905 – 1950), aquelas que estão presentes na obra Traité du caractere (Nouvelle éd., rev. Paris: Du Seuil, 1947), que defendiam uma educação completa, integral, capaz de “formar ao mesmo tempo e ao mesmo movimento, homens de fé e de independência, fiéis e homens de combate!”. Incrível como duas propostas, de tempos diferentes, podem ter tantas aproximações: homens de fé traduzem-se em bons cristãos, independência é igual a protagonismo e homens de combate, ser cidadão.

Revisitando Jean Lacroix (1900 – 1986), na obra Mounier Educateur (Esprit, nº 12, 1950), pude constatar o quanto o Santo dos Jovens foi um homem de percepção muito apurada e de profunda capacidade para antecipar as ideias e os fatos do futuro. Na referida obra, existe a defesa do educador profeta, isto é, do educador que possui como“função mais alta o anunciar e o elevar, o fazer surgir o tempo futuro, e por isso ajudar a nascer um homem novo”.

Segundo Alino Lorenzon, na sua obra Atualidade do pensamento de Emmanuel Mounier, publicada pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, 1996, a filosofia de Mounier defende que “a escola não pode visar, primeiramente, a instrução nem a preparação pura e exclusiva de uma profissão ou do desenvolvimento de determinada função social, nem do desenvolvimento de uma personalidade”. Neste sentido, “a meta de toda educação é o despertar da pessoa […], o desabrochar da existência verdadeiramente humana, que é imanência e transcendência […]”. Em Dom Bosco, ficava transparente a preocupação com uma educação voltada para a eficácia, tendo como referência a razão, a religião e a bondade. Logo, sem nenhum esforço, somos capazes de perceber que Dom Bosco sempre buscou uma educação que não abre mão da existência de Deus no mundo físico e da relação desejada com o Reino no dia a dia histórico.

Nossas ações em sintonia com Dom Bosco e Mournier

Como seguidores de Dom Bosco, continuadores de uma obra que está sempre em processo de reinvenção, de adaptação aos tempos e lugares, sem perder sua essência, devemos aprofundar nossas reflexões sobre as ações de Dom Bosco e de Emmanuel Mournier na relação com a filosofia personalista. Para o Projeto Operativo de Dom Bosco e para o Personalismo, o ideal de modelo de homem a ser trabalhado deve estar identificado com três ideias essenciais.

A primeira diz respeito à centralidade que a formação da pessoa deve ocupar nas reflexões deflagradoras das ações humanas, isto é, nada pode ser definido, assumido e colocado em prática sem que possua uma estreita relação com os processos formativos que levem em consideração as exigências individuais e comunitárias do universo pessoal de cada jovem.

A segunda anuncia a necessidade de uma educação integral, cujas características fundamentais defendem para as obras salesianas, escolar ou oratoriana, atividades educativas que estejam focadas na promoção da comunidade de pessoas, significando que o jovem não pode ser “formatado” rigidamente por regras e normas que possuem como objetivos o adestramento e a domesticação e, sim, deve ser educado a partir da sua verdade interior.

Por último, temos a ideia que propõe a individualização pedagógica, a educação personalizada, que leva em consideração a essência da pessoa e as suas intencionalidades que, ao serem consideração, alimentam uma formação capaz de fazer valer o exercício pleno do protagonismo; capaz de garantir a existência de uma educação para a liberdade; de liberar o jovem de mitos e falsas ideias que empobrecem ou dificultam a busca da verdade; de fazer do jovem o próprio agente de seu processo educativo, criticando a educação tradicional e o autoritarismo existente no processo educacional que, muitas vezes, desconhece a pessoa que está formando. Que a educação seja capaz de oportunizar os conhecimentos necessários para que a humanidade possa, de fato, constituir-se comunidade de pessoas e não “amontoado de seres formatados, coisificados”.

José Augusto Abreu Aguiar para Boletim Salesiano

Os Salesianos em SP

Nós, Salesianos de Dom Bosco, somos uma organização internacional de pessoas dedicadas em tempo integral ao serviço dos jovens, especialmente dos mais pobres e abandonados.

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