Em debate no Vaticano o mundo do trabalho nos últimos 50 anos
21/11/2017“Deus me perdoou, mas eu não consigo me perdoar”
21/11/2017No contexto do dia dedicado à Consciência Negra, comemorado ontem, 20/11, e de fatos preconceituosos expostos nas redes sociais, o arcebispo de Feira de Santana (BA) e referencial da Pastoral Afro-Brasileira, dom Zanoni Demettino Castro, convidou em artigo à reflexão sobre a vida, a fé, a cultura e a tradição do povo brasileiro afrodescendente.
Dom Zanoni parafraseou a canção “Canto Gemido”, do padre Valmir Neves, de Itapetinga (BA), para ressaltar o que é, realmente, “coisa de negro”:
“O suor de cada dia, o peso de nosso trabalho, as mãos tomadas de calos, coisa de negro. O que faço não é certo. Meu grito nunca fez eco. Senhor sou negro. E não nego. Venho ofertar minha dor. Senhor meu canto gemido. Dele nunca vou esquecer. Entre salmos e benditos. Venho vos oferecer.”
Recordando o Documento de Aparecida, o arcebispo salienta a constatação da V Conferência do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, em Aparecida, no ano de 2007, de que a história dos afrodescendentes “tem sido atravessada por uma exclusão social, econômica, política e, sobretudo, racial, onde a identidade étnica é fator de subordinação social”. Para ele, embora o contexto atual não admita etnocentrismos, xenofobismos e preconceitos, os afrodescendentes “são discriminados na inserção do trabalho, na qualidade e conteúdo da formação escolar, nas relações cotidianas”. Para dom Zanoni, as consequências dos 300 anos de escravidão ainda não foram suficientemente reparadas.
Ainda citando o documento de Aparecida, dom Zanoni revela que há “um processo de ocultamento sistemático dos valores, da história e da cultura dos afrodescendentes”. Neste sentido, a Pastoral Afro-Brasileira tem colocado em pauta essas realidades. No dia 4 deste mês, aconteceu a 21ª Romaria das Comunidades Negras ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida. Na ocasião, os agentes refletiram sobre o extermínio de jovens negros, a presença do negro, da negra e da Pastoral Afro-brasileira na Igreja, além da garantia do comprometimento na continuidade do trabalho.
Os eventos e espaços também são aproveitados para mostrar a identidade negra e celebrar nas respectivas culturas, assim como fortalecer a caminhada conjunta com outras organizações contra a desigualdade, a discriminação e o racismo, a intolerância religiosa, a exclusão dos direitos dos negros e negras nas periferias.
A reflexão proposta por dom Zanoni, a partir da canção e do documento de Aparecida, deve favorecer o aprofundamento com vistas ao o IX Congresso Nacional das entidades negras católicas (Conenc), que acontecerá de 18 a 21 de janeiro de 2018, em Maringá (PR), e o XIV Encontro de Pastoral Afro-americana (EPA), em Cali, na Colômbia.
O encontro continental será celebrado de 15 a 19 de julho de 2018 com o tema “Espiritualidade cristã afro-americana e os desafios do século XXI” e o lema “Nossa espiritualidade, força transformadora da realidade”. O objetivo é chegar a uma síntese de quase quatro décadas de caminhada em um mundo cada vez mais desafiante. A reflexão, de acordo com os organizadores, será feita a partir da própria essência da identidade cultural e na fé em Jesus Cristo, “caminho, verdade e vida” (Jo 14,6).
Visibilidade na Igreja no Brasil
O membro da Pastoral Afro-brasileira e da secretaria de Pastoral Afro-americana, padre Jurandyr Azevedo Araújo, ressalta que, na Igreja no Brasil, a Pastoral Afro é aceita em suas estruturas de serviço e recebe um novo alento através do texto de estudo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) número 85. “Esse espaço conquistado pelos Afro-brasileiros enriquece o catolicismo com sua forma de expressar a sua fé nas manifestações da religiosidade popular e nas celebrações inculturadas. Assim, o povo negro ressuscita sua memória histórica, sua autoestima, sua cultura, enfim, sua identidade”, afirma.
Padre Jurandyr ainda sinaliza que os principais documentos da Igreja no Brasil registram o clamor do povo negro e que os negros e negras estão mais envolvidos nas diversas dimensões da vida e missão da Igreja, procurando conhecer e estimar o dom de Deus presente na negritude. Exemplos deste envolvimento é o secretariado de Pastoral Afro-brasileira; o Grupo Atabaque; a caminhada dos Conencs; as Romarias das Comunidades Negras; o Instituto Mariama, que conta com bispos, padres, diáconos, religiosos e leigos, estudantes, exercitando a inteligência e o coração, para proclamar as maravilhas de Deus; o Grupo de Educadoras Negras; o Encontro de Pastoral Afro-americano e os diversos subsídios produzidos pela Pastoral Afro-brasileira. “Hoje é possível contemplar muitas iniciativas beneméritas de conhecimento, estudo, estima e defesa dos valores do povo negro”, enaltece.
Instituído pela lei 12.519, de 10 de novembro de 2011, o Dia da Consciência Negra é data do falecimento do líder negro Zumbi dos Palmares. Mesmo com a fixação no calendário oficial, desde a década de 1970 são realizadas celebrações e mobilizações no sentido de reflexão sobre o preconceito, homenagens aos afro-brasileiros, reconhecimento do fenômeno da eclosão do movimento de “consciência negra” no País, além de oferta de oportunidade de reflexão sobre suas origens, história e heróis.
Por CNBB