Brasil receberá projeto piloto da Comissão para a Tutela dos Menores
10/09/2018Papa: a novidade do Evangelho não admite vida dupla
10/09/2018
A obra da criação se conclui com uma magnífica exclamação: “Deus viu tudo quanto havia feito, e era muito bom!” (Gn 1,31). Tudo foi pensado na Providência eterna da Trindade para o bem e para a felicidade. Da parte de Deus, não há semente de maldade e de pecado na criação. O “mal feito” pode acontecer como resultado do uso inadequado de nossa liberdade. Criados por Deus, cabe-nos também fazer o bem e exclamar com alegria que nossa obra é boa. No entanto, justamente o mistério do pecado pode perturbar o relacionamento com os bens que nos foram dados.
Começamos com a criação, os dons da natureza. A Encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado com a Casa Comum (Cf. Laudato si, 67) nos recorda que “hoje devemos decididamente rejeitar que, do fato de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas… Os textos bíblicos falam de cultivar e guardar o jardim do mundo (Cf. Gn 2, 15). Se cultivar quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno, guardar significa proteger, cuidar, preservar, velar. Isto implica uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza. Cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de protegê-la e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras. Em última análise, ao Senhor pertence a terra (Sl 24/23, 1), a terra e tudo o que nela existe” (Dt 10, 14). Depois, já na história de Caim e Abel, a chaga do pecado se espalha, quando o ser humano recusa ser “guarda de seu irmão” (Cf. Gn 4,1-17). “Guardar” as pessoas e a natureza é colaborar com a obra daquele que fez e faz tudo bem feito!
Quando Deus enviou seu Filho, nós o vemos participando de tudo o que é humano, indo ao encontro do que é nosso, menos o pecado. Entretanto, até o nosso pecado assumiu sobre si no mistério da Cruz, para salvar-nos. Jesus olha para a natureza e a reconhece em sua beleza. Nas pessoas, admira tudo, começando com a inocência das crianças. Olha com amor os jovens, debruça-se sobre os enfermos, busca os pecadores, conversa com quem é diferente, ele visita as famílias, cura, perdoa, ergue os caídos, vai ao encontro dos mais distantes. A exclamação que nos é relatada no Evangelho proclamado neste final de semana ecoa a mesma admiração pelo que realiza aquele que é Deus e homem, o Verbo de Deus feito carne: “Cheios de grande admiração, diziam: Ele faz bem todas as coisas. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem” (Mc 7,37).
Olhando em torno a nós, devemos ser honestos e reconhecer o quanto estamos distantes do cuidado com a criação e as pessoas, pensando em todo o conjunto da sociedade. Basta observar o que andamos fazendo, por exemplo, com o patrimônio legado a nós pelas gerações passadas. Em Belém e pelo Brasil afora, quantos são os edifícios sinistrados ou deixados à corrosão do tempo e da falta de cuidado! E as pessoas? O Brasil se envergonha com o descaso com a população indígena, abandono dos migrantes, da população de rua, crianças sem lar, desempregados em abundância. Será honesto dizermos que é assim mesmo e deve assim continuar?
Em tempos de campanha eleitoral, muitas pessoas de bem se veem num verdadeiro “beco sem saída”, pois são chamadas a fazer escolhas e participarem do pleito que se aproxima e se encontram com grande dificuldade, pelo mar de corrupção que se espalhou por toda parte. A corrupção contagiou terrivelmente as práticas sociais, levando muitas vezes ao acomodamento, pelo fato de muitos acharem que não há soluções. Atribui-se a São Gregório Magno, comemorado no calendário litúrgico, nesta semana, a expressão “Corruptio optimi pessima”. Não há nada pior do que a corrupção do melhor! Quem sabe podemos entendê-la também afirmando que a corrupção do ótimo é o péssimo, não o regular. Tudo isso pede um “levante” moral que só pode começar na consciência de cada pessoa. Cada um de nós deverá fazer escolhas, e que o faça com consciência, com retidão, recordando que “voto não tem preço, tem consequência”!
Entretanto, não podemos aguardar os resultados das eleições para fazer bem feito o que nos cabe. Pode ser um passo a capacidade de olhar ao nosso redor, para verificar o que está ao nosso alcance. Um gesto muito simples, como cuidar melhor da limpeza em torno de nossa casa, ou não jogar o lixo nas ruas, ou aprender a separar os resíduos. E o que cada pessoa ou família pode fazer para se incorporar aos esforços de entidades de assistência social e promoção humana? Sem nos restringirmos ao que faz a Igreja Católica, mas basta pensar em nossas creches, ou na Missão Belém, Fazenda da Esperança, frentes missionárias nas áreas mais carentes! E alguém pode se comprometer com a organização dos Oratórios para as crianças, adolescentes e jovens em nossas paróquias! E o esforço feito pela Pastoral Familiar, as pastorais e serviços como o Encontro de Casais com Cristo, ou tudo o que se faz para acolher pessoas e grupos em nossas Comunidades Paroquiais ou o cuidado com a saúde?
Se o primeiro passo é olhar ao nosso redor, vale também o apelo à criatividade, capacidade inventiva de jovens e adultos que podem “fazer bem feito”, a modo de Jesus. Vem ainda à tona uma atitude muito simples, o desempenho correto e dedicado da profissão de cada um. O mundo pode ser melhor e cada um pode ser parecido com Jesus se sua tarefa pessoal for transparente, límpida, honesta. Muitos surdos podem ouvir ou mudos falarem, cegos podem enxergar, muitos poderão ser evangelizados, se cada um de nós der o primeiro passo!
Por Dom Alberto Taveira Corrêa – Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará (Via CNBB)