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Há quase vinte anos, no dia em que minha esposa e eu começamos a namorar, nossa primeira atitude foi nos sentarmos na escadaria lateral da igreja matriz da nossa cidade natal, lá no interior da Bahia, e contarmos as nossas histórias afetivas um para o outro. Trazíamos no coração o desejo de sermos transparentes em nosso namoro e aquele parecia ser o melhor começo possível. Conversamos por algumas horas e firmamos o compromisso da sinceridade e do diálogo franco antes de trocarmos o primeiro beijo.
Os anos se passaram e já casados fomos nos conhecendo mais profundamente e percebendo as enormes diferenças que nos marcavam. O desejo do diálogo permanecia e era o mesmo nos dois, mas a capacidade de dialogar era muito diferente. Minha esposa não tinha dificuldade em falar dos seus sentimentos. Pelo contrário, ela precisava falar, sentia-se sufocada se não desabafasse, se não deixasse claro como ela se sentia em relação a mim diante desta ou daquela conduta que a magoasse. Quando eu contemplo a mim mesmo nos primeiros anos de casamento, recordo sempre de A dócil, um conto brilhante de Dostoievski que trata de uma tragédia que se abateu sobre um casal que não conseguia dialogar. “Sou mestre na arte de falar em silêncio, passei minha vida toda conversando em silêncio e em silêncio acabei vivendo tragédias inteiras comigo mesmo.”
Tem algo impedindo que o diálogo aconteça?
Quando li essa frase pela primeira vez, como me identifiquei com o marido, narrador da história! Ele havia se casado com as melhores intenções. Queria viver bem com sua esposa, a quem amava, mas ele não conseguia conversar com ela sobre os assuntos que importavam: seus sentimentos, os sentimentos dela, as dificuldades do casamento. Ele preenchia o tempo e os espaços com seus silêncios, que foram afligindo sua esposa cada vez mais, até se tornarem insuportáveis para a pobre moça. Assim eu me comportava muitas vezes, quando algum ato meu incomodava minha esposa ou vice-versa. Ela tentava iniciar um diálogo, expressando o que sentia, e eu no mais das vezes tentava responder, mas não conseguia. Algo travava na minha garganta e a palavra ficava retida. Em algumas ocasiões, uma palavra – perdão! – seria o suficiente, mas ela não vinha, só o silêncio. Eu não percebia que essa era uma deficiência séria minha. Pensava ser só mais uma das diferenças naturais que há entre os esposos.
Ocorre que quando algo impede o diálogo, o casamento começa a murchar, porque a conversa entre os cônjuges é como uma poda que deve ser realizada com frequência para que uma árvore cresça saudável. Se o tempo vai passando e espera-se que um galho esteja muito grande para podar, a árvore terá a sua saúde comprometida, porque a cicatrização vai demorar demais. No casamento, essa poda deve ser mais do que diária, deve ocorrer sempre que necessário, instantaneamente.
Ocorreu um desentendimento?
O casal deve esclarecer tudo ali, no ato, porque a vida conjugal é muito dinâmica e se não houver reconciliação imediata, cada ato subsequente será afetado por aquela pequena mancha que não foi resolvida. Se no início do dia, por exemplo, eu desagrado a minha esposa com um comentário qualquer e ela guarda aquilo, não compartilha comigo a sua insatisfação, é bem provável que isso pese nas reações que ela terá a tudo o que eu fizer ou falar ao longo do dia, iniciando uma reação em cadeia.
Assim, na hora do almoço, por exemplo, ela será menos tolerante ao elogio que não veio para a comida preparada com esforço e carinho. Ficará de cara fechada e não responderá com bom humor a alguma brincadeira que eu faça à tarde. E à noite resistirá às minhas investidas românticas e a chance de dormirmos chateados um com o outro será grande. E tudo começou com um comentário lá no início da manhã, para o qual não demos a devida importância.
Foram anos ouvindo a minha esposa, aprendendo com ela e treinando a mim mesmo na arte do diálogo para que eu fosse vencendo essa barreira invisível do silêncio. Como minha esposa teve paciência comigo! De tempos em tempos precisávamos retomar nossos compromissos da época do namoro, de nunca desistirmos um do outro, de sempre sermos transparentes quanto aos nossos sentimentos, de acolhermos a fala do outro com amor. Fui percebendo, por exemplo, como o diálogo exige humildade, já que muitas vezes eu me via coberto de razão em um determinado assunto, mas ao mesmo tempo percebia como o Espírito Santo me impulsionava a tomar a iniciativa e falar com minha esposa. No final da história, tudo ficava claro, e eu me dava conta de que o erro tinha sido realmente meu. Em outras situações, naturalmente, era o inverso que acontecia, e minha esposa não tinha problemas em assumir que havia errado.
Dicas
Nisso tudo fomos percebendo que há, no nosso casamento, alguns princípios dos quais jamais poderemos abrir mão. Devemos tê-los como a nossa constituição não escrita. Em primeiro lugar, manter vivo na memória que foi Deus que nos uniu. Ter isso sempre à nossa frente coloca todas as demais situações em perspectiva. Qualquer briga se torna menor se temos o nosso casamento como uma casa construída sobre a rocha. É como se sempre lembrássemos a nós mesmos e ao outro: “Tudo bem, você me magoou ou eu magoei você, mas não é o fim do mundo. Foi Deus quem nos uniu. Vamos respirar, rezar e conversar, porque tudo isso vai passar.”
Em segundo lugar, o diálogo tem que ser aqui, agora. O sol não pode se por sobre o nosso ressentimento. Não vamos deixar para depois do almoço ou para depois que as crianças dormirem. Se necessário, vamos nos trancar no quarto, deixar o filho maior cuidando dos menores e vamos conversar até nos entendermos ou pelo menos até um perdoar o outro.
Em terceiro lugar, trazer para o casamento o “pensar bem de todos, falar bem de todos, querer o bem de todos”. Se vivo essa realidade lá fora, muito mais a viverei aqui dentro de casa. Se minha esposa me magoou, não tenho o direito de pensar que ela fez por mal. Vou pensar sempre o melhor dela. Ela vai pensar sempre o melhor de mim. Isso é antídoto para muitas brigas. Antes mesmo de reagir com raiva diante de alguma ofensa, eu penso: “Ela não fez por mal. Preciso pensar o melhor da minha esposa. Ela me ama, não quer me ferir.”
Em quarto lugar, abandonar as supostas certezas. Talvez seja o maior desafio, porque com o passar dos anos, nós começamos a achar que já sabemos exatamente o que esperar do outro e isso se reflete nos desentendimentos: “Eu sabia que você iria dizer isso” ou “eu sabia que você ia fazer isso de novo”. Aqui em casa nós não sabemos de nada, além do fato de que o outro está tentando ser o melhor possível.
Em quinto lugar, por fim, paciência e amor. Não desistir do outro, por mais que repita os mesmos erros. É o perdoar setenta vezes sete, só que dentro do casamento. É ter a tranquilidade de que diversas vezes eu e minha esposa vamos tropeçar nos passos que acabei de descrever e vamos ter que nos perdoar e recomeçar com um sorriso no rosto, um abraço, um beijo, um carinho.
Aprenda a lidar com os desafios
Na história de Dostoievski, aquele casamento termina de maneira trágica porque o homem não conseguiu fazer a experiência da conversão. Ele sabia que precisava mudar, tinha consciência da sua miséria, mas não conseguia dar os passos necessários porque faltava-lhe uma experiência transformadora com Deus.
Cada um de nós vai se deparar com diferentes desafios dentro do casamento. Pode ser o temperamento do outro, que me surpreende negativamente, alguma mania que me desagrada, a falta de paciência do outro ou a incapacidade de falar de si. O que não pode mudar é a disposição de recomeçar, que parte da certeza de que por ser uma vocação, um chamado de Deus, Ele mesmo nos capacitará a viver bem o casamento, como meio de alcançar a santidade e chegar ao céu. Em face dessa certeza, tudo, mas tudo mesmo se resolve com uma boa conversa.
Por José Leonardo Nascimento, via Canção Nova