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06/07/2018
Dante, no primeiro canto do Inferno, descreve seu encontro com Virgílio: “Quando o vi no grande deserto, ai de mim, gritei para ele: que é que sejas, sombra ou homem certo. Respondeu-me: não homem, homem já fui”. Esse verso traduz o que significa a expansão progressiva da técnica e que vai atingindo todos os âmbitos da vida humana.
O ser humano, de algum modo, sabe que participa, e consequentemente é corresponsável, da criação e promoção da vida. Ao mesmo tempo, porém, está sempre correndo o risco de se tornar promotor da destruição do próprio viver pessoal e social. É que na possibilidade de viver humanamente e dignamente está igualmente latente a possibilidade de matar e aniquilar desumanamente. Não faltam exemplos dessa realidade através dos quais se pode colher os gritos da pulsão de morte.
As conquistas da ciência e da técnica oferecem um número sem fim de possibilidades de promoção da vida em suas distintas formas de manifestação. Oferecem também meios sofisticados para sua destruição. Ela elimina o que é, desfaz o que foi, e apaga os traços do que será. Desse modo são eliminadas as virtualidades da surpresa, substituindo a natureza pela técnica.
Em se tratando da vida humana, desde sua origem até o seu ocaso natural, pode-se perceber que a condição humana é marcada pela possibilidade de realizar-se plenamente ou não. Não é possível arrancar do ser humano o quociente de equidade, sem destruir a pessoa. O desejo de criar um ser humano ‘puro’ já foi, em tempos recentes, uma tentação nefasta!
Toda forma de agressão à vida, não importa o seu estágio, desqualifica o ser humano na sua identidade e dignidade. A ninguém é concedido o direito ou o dever de eliminar a vida humana.
Todo indivíduo, pelo fato de ser pessoa humana, é provido de uma qualidade peculiar inerente a todos em igual medida. Ninguém pode instrumentalizar quem quer que seja. Tal qualidade gera o dever de tratar o ser humano, não importa o estágio e a condição de sua existência, com consideração e respeito, pois a condição de pessoa alguma é intrinsecamente superior à de outro sujeito.
A dignidade do ser humano exige o respeito de todos os outros membros da coletividade. A ninguém é concedido a possibilidade de realizar ataques ou agressões, seja de que ordem for, à autonomia do sujeito.
Afinal, qual o princípio da vida humana? O princípio é origem, surge e se impõe ao longo de toda a vida. O princípio só alcança plenitude na integração e degradação do fim. Início é princípio em busca de realização, fim é o princípio, plenamente realizado.
Pode-se assim compreender porque a questão da aprovação ou não do aborto, seja em que estágio for, não pode ser fruto de dados científicos e técnicos. Trata-se originariamente de uma questão de compreensão e de respeito pela dignidade humana. Nos debates em torno da questão do aborto não se observa um grito amoroso pela salvação e saúde. É, antes de tudo, um grito necrófilo de morte à vida e sua originalidade.
Por Dom Jaime Spengler – Arcebispo de Porto Alegre