Bispo destaca experiência com Jesus Palavra na catequese
30/09/2016Sábado da 26ª Semana Tempo Comum
01/10/2016Finalizamos o mês de setembro, quando celebramos o Dia Nacional e o Mês da Bíblia! Ela nos traz a Palavra de Deus, que é luz para o nosso caminho e, portanto, de suma importância na vida da Igreja. Na liturgia pós Vaticano II, temos uma abundância de leituras na liturgia da missa e em todas as celebrações dos sacramentos e também nas reuniões e encontros. Aos domingos três leituras mais o salmo totalizam 4 trechos bíblicos, além das outras citações litúrgicas e mesmo da música que, ao cantar a liturgia, é baseada na Sagrada Escritura. O incentivo para a “Lectio Divina”, ou leitura orante da Bíblia, em nossos círculos bíblicos e nossas reuniões faz parte das recomendações da Igreja. Isso mostra a atenção que a Igreja faz da escuta do Senhor e nos ajuda a entrarmos ainda mais em outubro. Já iniciamos a Primavera e aqui em nossa região já caíram as primeiras chuvas dessa estação. É baseado na experiência do encontro com Cristo, iluminado pela Palavra de Deus e conduzido pelo Espírito Santo que adentramos o mês das Missões e do Rosário, com a Semana Nacional da Família abrindo com o grande exemplo da padroeira das missões, Santa Terezinha do Menino Jesus e da Sagrada Face, que nos legou a “pequena via” e que na Igreja, como queria ser tudo, escolheu ser o amor, o coração.
De forma providencial, a Igreja coloca o mês das missões após o mês da Bíblia, a exemplo de Maria Santíssima (que celebraremos solenemente em outubro), que, após ouvir a Anunciação do Arcanjo São Gabriel que conceberia e daria a luz ao Filho de Deus, saiu para servir à sua prima Isabel. Este é o sentido da missão, servir a todos em Nome do Senhor, fazer-se presença silenciosa e amorosa. Com isso, a Igreja, Mãe e Mestra, nos ensina que todos nós batizados somos missionários em todos os locais nos quais nos encontramos, a começar pela nossa família, e abrindo-nos como Igreja em saída para todas as realidades, indo para as “águas mais profundas” proclamando que experimentamos e anunciamos a misericórdia do Senhor.
E é neste sentido que a Igreja inicia o Mês das Missões com Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, mais carinhosamente conhecida como Santa Terezinha do Menino Jesus. Esta pequena monja, em estatura humana, nasceu em 1873 e faleceu, com 24 anos e 09 meses, em 1897. Sem nunca sair do seu convento, sua fama de santidade se espalhou como um grande perfume de rosas pelo mundo. É espantoso vermos o crescimento devocional popular em torno desta mística que uniu intimamente o seu coração ao Coração do Seu Senhor.
Aos olhos do mundo ela não teria nada de especial e também não teria motivo para chamar a atenção de uma multidão tão enorme de pessoas. Porém, entre seus devotos, tivemos diversos santos após ela – padres, bispos, religiosas e religiosos – e, hoje, o Papa Francisco declarou expressamente que um de seus livros de cabeceira é o “História de uma alma”. Esse pequeno manuscrito é a autobiografia da vida desta amada santinha, e que aqui sim vemos como ela foi se deixando talhar pela ação da Misericórdia do Senhor.
O Papa Pio XI assim declarou a respeito dela: “O gênio deslumbrador de Agostinho, a sabedoria luminosa de Santo Tomás de Aquino projetaram sobre as almas uma luz que não conhece ocaso; o poema divino vivido por São Francisco de Assis mostra ao mundo a imitação desconhecida da vida de Deus feito homem; mas uma jovem carmelita, mal atingindo a idade adulta, conquistou em menos de meio século um número incalculável de discípulos. Os doutores da lei fizeram-se crianças em sua escola”.
Ela nos conta como foi sua infância, de sua personalidade difícil por ser criança cheia de mimos e de como seu temperamento era forte. De como se deu o casamento de seus pais após a tentativa de ambos em serem religiosos. Do piedoso sacerdote que foi instrumento para a formação dessa nova família. Da forma como era vivida a vida religiosa do casal e de como instruíam as filhas na fé católica, das missas, praticamente, diárias. Das dificuldades financeiras dos pais, ele um relojoeiro e ela com o dom de bordadeira. Conta também sobre o nascimento dos filhos e a morte de alguns deles. Apresenta as dores que sentiu com a morte da mãe, hoje Santa Zélia Guarin (o casal foi canonizado), da escolha da irmã para ser sua nova mãe e como sofreu com a partida dela para a vida no Carmelo. Partilha como escolheu ingressar no Carmelo, e sua inusitada visita ao então Papa reinante, Leão XIII, de como se ajoelhou aos pés do Papa e pediu essa graça a ele de forma ousada. Anuncia sua alegria quando conseguiu seu ingresso no Carmelo, através da carta que chegou de seu bispo dias depois da visita ao Papa. Recebeu a visita de seu pai, hoje, São Luiz Martin (casal canonizado), já com idade avançada, ao Carmelo, com a saúde já totalmente combalida.
Mais especificamente sobre si, Terezinha nos conta que, para além dos defeitos próprios, também uma doença que chamou de “escrúpulos”, e como foi curada pela “Virgem do Sorriso”, sua bela devoção.
Na sua autobiografia, Terezinha nos mostra o seu lado humano com toda coragem e ímpeto, que somente quem está com o coração alicerçado no Senhor pode ter. Jamais aquela pequena monja poderia imaginar que, após a sua morte, em tão pouco tempo alcançaria as graças às quais menciona logo no início da autobiografia, quando assim diz: “Durante muito tempo perguntava a mim mesma porque Deus tinha preferências, por que todas as almas não recebiam igual medida de graças. Admirava-me vê-Lo prodigalizar favores extraordinários a Santos que O tinham ofendido, como São Paulo, Santo Agostinho, e aos quais forçava, por assim dizer, a receberem suas graças; ou então ao ler a vida dos santos, que Nosso Senhor se comprazia em acarinhá-los desde o berço até o túmulo, sem lhes deixar no caminho nenhum tropeço que os tolhesse de se levantarem até Ele, em predispor essas almas com tais favores, a ponto de não poderem empanar o brilho imaculado de sua veste batismal; perguntava-me a mim mesma por que os pobres selvagens, por exemplo, morriam em grande número antes mesmo de terem ouvido pronunciar o nome de Deus… Dignou-se Jesus esclarecer-me a respeito desse mistério. Pôs-me diante dos olhos o livro da natureza, e compreendi que todas as flores que por Ele são criadas são formosas, que o esplendor da rosa e a brancura do lírio não eliminam a flagrância da violetinha nem a encantadora simplicidade da bonina… Fiquei entendendo que se todas as florzinhas quisessem ser rosa, perderia a natureza sua gala primaveril, já não ficariam os vergéis esmaltados de florinhas…” (Pag. 26, “História de uma alma – Manuscritos autobiográficos”, Santa Terezinha do Menino Jesus e da Sagrada Face. Editora Paulus. SP : 2012).
Terezinha, embora tenha vivido num período histórico bastante difícil, não é fruto do iluminismo francês; é uma reação clara ao jansenismo, que tinha colocado Deus longe do homem. Uma menina mimada no coração da família Martin que saberá, apenas sendo dócil à graça de Deus, assumir uma postura de crítica e questionadora dentro da própria Igreja. A sua palavra não chega a nenhum lugar durante a sua vida. Porém, mal acabara de morrer, sua imã, Madre Inês, começou a reunir seus escritos, que tornou pública a vida de nossa Terezinha.
Tudo na pequena Teresa foi rápido. Ela tinha pressa desde os inícios de sua vida religiosa. A pressa dos santos, dos profetas que percebem que têm na sua vida pouco tempo e muitas coisas para realizar. Terezinha foi e é para a humanidade uma “palavra do Senhor” encarnada na História, que soube traduzir o evangelho dos pequenos e dos pobres. Jesus continua a pousar o Seu olhar sobre os que não têm voz, que não possuem a força da autoridade, mas que têm a força do amor, pela qual sabe atingir o coração mais duro.
Terezinha inaugurou e iniciou o caminho que ela chamou de “pequena via”, e não se pode entendê-lo por meio da especulação e da força da inteligência, mas pelo caminho do coração. É o caminho dos pequenos que continua a surpreender o mundo, sempre mais sofisticado. E é nesse mundo que continua sua missão, a de mostrar a “Face Misericordiosa do Senhor” para uma sociedade cheia de soberba e de orgulho, que busca o prazer hedonista a todo custo e que, após isso, busca o prazer e sentido existencial nos consultórios dos psicólogos e psiquiatras, com remédios para preencher o vazio do seu coração que, segundo Agostinho, possui o tamanho exato de Deus. Ela nos mostra que pode ser alcançado no cotidiano de nossas vidas, por gestos pequenos, de superar-se nos pequenos desafios e sabendo que sendo Deus o nosso Tesouro nada nos falta, conforme nos lembra a Mãe espiritual de Terezinha, a grande Teresa de Ávila, no século XVI. Afinal, já bem nos lembra o Evangelho: onde está o teu tesouro aí está o teu coração.
Diante da simplicidade de uma criança, só uma atitude é cabível: a contemplação. Saber contemplar é saber amar com o coração o que só os olhos veem. É ir além das aparências, penetrar a profundidade e buscar o sentido tão evidente e tão escondido do amor.
Teresa de Lisieux é uma santa destinada a permanecer como um grande exemplo e intercessora na Igreja e no mundo. No início deste Terceiro Milênio tem uma grande mensagem a oferecer ao homem e à mulher da assim chamada pós-modernidade, onde a razão, o bem-estar, o conforto e a técnica parecem ter valor absoluto. Terezinha reaproxima-nos de Deus e nos faz sentir que é necessário “pegar Deus pelo coração”, e não ter medo da misericórdia infinita do Senhor. Ela nos diz que mesmo que tivéssemos na consciência os maiores crimes deveríamos confiar na misericórdia de Deus. Dentro do Ano do Jubileu da Misericórdia é para nós uma alegria e consolo ler esse texto.
Ainda é importante lembrarmos que Santa Terezinha, pouco antes de nascer para Deus, nos exorta a pedirmos a ela sua intercessão, quando diz que faria cair uma chuva de rosas sobre todos que a ela invocassem; por isso é também conhecida como Santa Terezinha das rosas. Ao dizer isso, fez a promessa para todos que precisam, sem limites, pois estava inebriada dessa Misericórdia, de todo ser humano, por isto que fez a promessa para todos que dela necessitassem. Tal atitude só nos demonstra que Terezinha realmente encontrou a sua missão na Igreja, qual seja, a de ser o “Amor”, isto é, de amar a todos indistintamente. Terezinha levou isso a cabo, ao extremo, pois quer auxiliar a todos nós com suas orações diante do Senhor.
Percorramos também nós na “pequena via” de Santa Terezinha, a grande Teresa de Lisieux, doutora da Igreja, para que possamos mergulhar na misericórdia de Deus, deixando que ela vá às mais profundas raízes do nosso ser, e que ela nos transforme para que possamos, neste mundo tão conturbado, ser sinal de esperança e caridade. Desta forma, poderemos convidar outras pessoas, pelo nosso exemplo, para que também se aproximem de Deus e venham experimentar como é bom saber que todos somos filhos muito amados muito antes mesmo de sermos concebidos.
Por Cardeal Orani João Tempesta – Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)