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Segundo o historiador italiano Andrea Riccardi, poucos dias, no século passado, foram tão significativos quanto o dia 5 de janeiro de 1964, quando, em Jerusalém, depois de pouco mais de novecentos anos sem nenhum diálogo significativo, o então bispo de Roma, hoje Beato Paulo VI (1963-1978), abraçou o patriarca ecumênico de Constantinopla, Atenágoras I (1948-1972). De fato, o próprio patriarca denominou aquele instante de “diálogo do amor”, e o abraço dado ainda permanece, 55 anos depois, como ícone de uma era ecumênica entre católicos romanos e ortodoxos.
As Igrejas Ortodoxas se separaram da Católica Apostólica Romana depois que o cardeal Humberto da Silva Cândida (1015-1061), no dia 16 de julho de 1054, depositou solenemente, na capela de Santa Sofia, em Constantinopla, a excomunhão contra o patriarca Miguel Cerulário (1000-1059) que, uma semana depois, no dia 24 de julho, reunindo um sínodo local, também excomungou o cardeal, que era um enviado do bispo de Roma, Leão IX que, a essa altura, inclusive, já estava morto.
Havia, naturalmente, numerosas questões por detrás das excomunhões mútuas, cujo início acontecera já no Concílio de Calcedônia (451), quando se propôs que Constantinopla fosse elevada à condição de “segunda Roma”, por ser, sobretudo, o lar do Imperador. O bispo de Roma, à época Leão I, não teria aprovado o cânone, o que já começou a gerar certo ressentimento entre as Igrejas. A segunda metade do século I também assistiu a algumas desavenças: críticas aos costumes próprios de cada cultura; a questão do filioque – o Ocidente teria acrescentado ao Credo que o Espírito Santo procedia do Pai e do Filho, o que para o Oriente foi considerado uma heresia; a querela dos ícones, no final do século X; o cisma fociano… Esses acontecimentos se somaram ao longo dos séculos, até o dia em que, como se diz, o “copo transbordou”.
No fundo, porém, o que estava realmente em jogo era – e é, até hoje – o primado de jurisdição do bispo de Roma. Na concepção ortodoxa, é inconcebível que o bispo de Roma tenha o poder de decisão e de governo sobre a Igreja do mundo inteiro – inclusive, quando ocorreu o cisma, o patriarca de Constantinopla não teria recebido bem o cardeal enviado por Roma porque, segundo consta, ele acreditava que a Igreja romana estava, na verdade, tentando dominar a Igreja do Oriente. As Igrejas Ortodoxas aceitam que o bispo de Roma tenha um primado de honra, mas não de jurisdição – e assim aconteceu até o cisma, quando quem pensava a Igreja era a chamada pentarquia, ou seja, as cinco Igrejas mais importantes de todo o mundo: Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém.
Para dificultar ainda mais qualquer reaproximação, 150 anos depois das excomunhões mútuas, em 1204, a IV Cruzada afastou ainda mais as Igrejas, quando os cruzados invadiram Constantinopla, até então inexpugnável, e não só saquearam a cidade como mataram cristãos ortodoxos.
Apesar das tentativas de diálogo nos séculos XIII e XV, nos Concílios de Lion e de Basileia-Ferrara-Florença, nada mudou, e os ressentimentos perduraram. Porém, mesmo com a resistência de alguns grupos conservadores do Oriente, o abraço entre Paulo VI e Atenágoras I mudaram a direção do diálogo ecumênico – porque, afinal de contas, mesmo que sob críticas, um primeiro momento precisa acontecer.
Esse encontro, porém, só foi possível graças ao, hoje santo, Papa João XXIII (1958-1963), que durante sua vida, sempre trabalhara como missionário em regiões cuja maioria dos cristãos era ortodoxa. Foram, portanto, longos anos de contato e convivência que, por sua vez, deram forças a João XXIII para criar, na década de 1960, o Secretariado para a Unidade dos Cristãos, colocando à frente o cardeal Agostinho Bea (1881-1968).
O curioso é que Paulo VI e Atenágoras I não só se abraçaram como, na véspera da clausura do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), no dia 7 de dezembro, leram a Declaração Conjunta que, lamentando os fatos passados, anulou as excomunhões mútuas de 1054 – embora ambos tivessem consciência de que aquela declaração, em si mesma, não bastasse para resolver o problema do distanciamento entre as Igrejas, até porque, foram muitos anos sem contatos e sem convivência.
Se, contudo, hoje Francisco prefere ser chamado de bispo de Roma e conseguiu, pela primeira vez na história, um encontro com Kirill, patriarca da Igreja de Moscou, na Rússia (2016), que é o mais populoso dos patriarcados, é porque, efetivamente, vive-se o que se chama de “mudança de época”: o mundo está mudando e os líderes estão percebendo que há problemas que são comuns às Igrejas.
Acima de qualquer questão que divida, é preciso partir do que une e se lembrar, sobretudo, de que somos todos discípulos do mesmo Mestre. Ao mesmo tempo, as causas humanitárias devem estar acima de qualquer questão dogmática ou estrutural. Aí, sim, haverá unidade – que não é uniformidade. Quem sabe, ainda vivamos para assistir a essa proeza, de mais abertura ainda entre as Igrejas. Oremos nessa intenção.
* Pe. Tiago Cosmo da S. Dias é do clero diocesano de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, atualmente vigário paroquial na Basílica de Nossa Senhora da Penha. É jornalista e bacharel em Filosofia e Teologia pela Faculdade de Filosofia e Teologia Paulo VI, em Mogi das Cruzes. É pós-graduado em Religião e Cultura, pelo Centro Universitário Assunção (UNIFAI), em São Paulo, e em Cultura e Comunicação, pela PUC-SP, em parceria com o SEPAC-Paulinas.