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16/10/2020
Alguns dias atrás eu estava aguardando atendimento num consultório médico e na TV estava passando um filme em que uma moça bastante rica, de uns vinte e poucos anos, tinha que ficar com a guarda de sua meia irmã, de sete anos, por conta da morte dos pais da criança. Num dado momento, a moça conversava com o diretor da escola onde sua irmã estudava, e ele lhe perguntou:
— E então, está tudo bem?
— Claro que não. Eu tinha uma vida perfeita, saía com meus amigos todas as noites e agora tenho que cuidar de uma criança. Meu namorado vai viajar para outro país sem mim e eu não posso fazer nada. Tenho que acordar cedo, trazer minha irmã todos os dias para a escola, tenho muitas responsabilidades novas. Estou sofrendo, está sendo muito duro para mim!
— Eu estava me referindo à criança. Como ela está?
— Oh! Eu… eu não sei. Acho que está bem.
Esse diálogo expressa muitas realidades interiores daquela moça que podemos identificar, em maior ou menor medida, em nós mesmos. Sim, somos egoístas, isso é um fato. A menina perdeu os pais tragicamente, está sozinha, tendo que aprender a lidar com muitas coisas e a irmã, que deveria ser um consolo para ela, só pensa em si e no seu próprio sofrimento. Não consegue ver que a adulta da relação é ela e que, portanto, ela precisa dar uma resposta diferente. Nesse momento, a prioridade é que ela cuide e não espere ser cuidada, porque do outro lado há uma criança completamente indefesa necessitando ser acolhida e amada. Mas dentro de tudo isso, quero me deter em outra dimensão, com a qual talvez nos identifiquemos ainda mais nesses tempos atuais: a incapacidade daquela moça de permanecer em silêncio. Ela interpretou mal a pergunta porque só conseguia olhar para si naquela situação, mas não perdeu a oportunidade de escancarar seu próprio sofrimento, de dizer o que estava passando para a primeira pessoa que apareceu à sua frente.
Os vários tipos de silêncio
Deus habita o silêncio, e isso pode ser interpretado de diversas maneiras. Há o silêncio da contemplação, da oração, da espera, da escuta, mas há também esse “silêncio das pequenas coisas”, de quem guarda seus sagrados para serem depositados no coração de Deus. Esses sagrados normalmente são de dois tipos: o primeiro são os contratempos, chateações, pequenas dores e desgostos; o segundo, os propósitos de oração e penitência, as renúncias, os pequenos sacrifícios diários. Em tempos de mídias sociais, essa parece ser uma ideia em desuso. Se alguém foi mal educado comigo no supermercado, transformo isso em uma postagem viral, denunciando a injustiça que sofri; se vejo uma notícia de alguém que sofreu com a morte de um ente querido, coloco um comentário dizendo que eu passei por situação igual, que na verdade meu sofrimento foi ainda maior; se decido fazer uma penitência ou um momento de oração para alcançar uma graça, preciso transformar isso numa selfie com alguma frase piedosa como legenda. Isso serve para as mídias sociais, mas serve também para o “mundo real”.
Os santos nos ensinam o caminho
Os santos nos ensinam que o caminho de santidade passa por esse “silêncio das pequenas coisas”. São muitos os exemplos de amigos de Deus que passaram por tormentos, por dificuldades e provações que eles mantiveram ocultas, como ocasião de conversão. Uma história que ilustra muito bem isso é a de São Francisco de Sales, que ficou conhecido como homem amoroso, manso e misericordioso. Após a sua morte, contudo, descobriu-se que sua mesa de trabalho estava toda arranhada por baixo, pois essa era a maneira que ele encontrava de controlar seu temperamento forte, para nunca responder sem amor e sem mansidão para as pessoas. De fato, trata-se de manter silêncio sobre coisas pequenas. São Francisco de Sales arranhava a mesa discretamente para não dar respostas grosseiras e mal educadas para as pessoas quando se irritava, mas ninguém sabia disso. Ele transformou uma limitação sua – o temperamento forte – em oportunidade para se converter e ser mais capaz de amar, mas ninguém nunca havia notado que ele vivia essa batalha porque ele fez questão de vivê-la só entre ele e Deus. Podemos pensar nos muitos anos de noite escura de Santa Teresa de Ávila ou de nossa contemporânea Santa Teresa de Calcutá, todos passados no silêncio e na discrição, vividos na intimidade com Deus, sem alarde. Também podemos recordar os muitos anos em que São João Maria Vianney, o Cura d’Ars, acordava toda madrugada e passava muitas horas rezando pela conversão de seus paroquianos. Ele fez esse sacrifício sem que ninguém precisasse saber além do próprio Deus. Nós, ao contrário, como a moça do filme, quando o calo aperta um pouquinho precisamos tornar tudo conhecido, precisamos que o mundo saiba o que passamos.
O “silêncio das pequenas coisas” é uma forma de oração e uma escola de amor
Experimente entregar seus contratempos como oferta de amor a Deus pela conversão dos pecadores, pelas almas do purgatório ou pela sua própria conversão. Como é possível fazer isso? Calando-se quando você poderia falar. Alguém foi grosseiro com você no supermercado? O padre não foi gentil com você na saída da missa? Não conte para ninguém essas chateações, mas entregue-as a Deus, rezando por quem o ofendeu. Lembre das ofensas sofridas por Cristo e peça ao Senhor um coração mais capaz de amar. Não murmure, silencie. Você começou a rezar fielmente pela conversão do seu esposo? Tem feito jejuns, penitências, novenas, tem se confessado regularmente? Ninguém precisa saber disso, só Deus! Podemos imaginar quantas mães e avós passaram anos de sua vida rezando terços pelos seus filhos e netos. Quantas lágrimas não foram derramadas em seus quartos, no silêncio, no escondimento, onde só Deus as ouvia! É essa a oração que chega a Deus, não o alarde dos hipócritas, que, como denunciou Jesus, gostam de orar de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Eles já receberam a sua recompensa, diz Jesus. É no oculto, no segredo, que devemos rezar ao Pai, que aí sim nos recompensará.
O “silêncio das pequenas coisas” é uma forma de oração e uma escola de amor. Escolho suportar pequenas dores, contratempos, chateações e humilhações por amor a Deus. Guardo as intenções mais nobres do meu coração para compartilhá-las somente com o meu Senhor e Rei. Naquela tarde, não vi o resto do filme, mas gosto de imaginar que, entre altos e baixos, a moça e a irmãzinha foram se tornando mais próximas. A moça foi aprendendo a silenciar, deixando de reclamar da vida e isso aos poucos a tornou mais sensível ao sofrimento da sua irmã. Ao fim do filme, onde antes aquela moça via motivos para se lamentar, passou a encontrar alegria, pois quem ama é sempre feliz.
Por José Leonardo Nascimento, via Canção Nova