Papa no Angelus: repetir sempre ao coração que “o pobre sou eu”
16/11/2020O Arcebispo de Cantuária: cristãos unidos em tempo de pandemia
17/11/2020
Luto, aborto espontâneo, fracasso nos projetos, desemprego, solidão, doença grave… as provações são indissociáveis da existência humana. Mas a cada vez que chega uma provação, sentimos uma espécie de traição, um súbito arrancamento de nossa paz, com a impressão de ver o que havíamos construído desmoronar, junto com a imagem que tínhamos de nós mesmos. A isso se acrescenta para o cristão um grande teste de fé, pois, nas provações, “podemos ter a sensação de que Deus está ausente e não nos apoia”, observa Nathalie Sarthou-Lajus.
Passar pela provação é antes de tudo gritar, chorar e se revoltar!
“Meu Deus, por que me abandonaste?” O grito de Jesus ressoa em cada tragédia humana: “Achei que tinha um vínculo, uma proximidade com Deus e de repente, é silêncio, abandono”, nota Olivier Belleil , membro da comunidade Palavra da Vida , autor e pregador. “Depois da morte do meu marido”, confidencia Isabelle Rochette de Lempdes, “parecia-me impossível continuar a viver sem ele, impossível e até impensável”. Mas não temos outra escolha, senão passar por esses momentos.
Querer levantar e ficar bem imediatamente é ilusório e na verdade este é um longo caminho. “O primeiro gesto é reconhecer-se na condição em que se está”, avalia o filósofo Martin Steffens. Passar pela provação é antes de tudo gritar, chorar, revoltar-se. E não iremos nos recuperar imediatamente. Os Salmos estão cheios desses gritos e lágrimas: “Do abismo uivei contra ti”! “A Bíblia permite ao homem experimentar esta revolta”, nota Olivier Belleil. Isso não significa blasfemar, mas dizer a Deus que é intolerável. Mesmo Jó chega a perguntar a Deus: “Por que és meu adversário?”.
Viver o calvário que nos atinge, nomeá-lo, observar todo o seu carácter insuportável, é uma prova de realismo. “Iremos sair da provação, mas para superá-la, temos que começar por vivê-la”, diz Martin Steffens. Não é negando a realidade que se evita o golpe. “Por isso, deixemos de querer sempre ser positivos, como nos dizem muitas vezes: perder um ente querido, ver o seu filho doente ou incapacitado, presenciar a falência do seu negócio, dói e é difícil aceitar essa realidade de imediato.
Provações e fé: viver não é se resignar
Prolongar esta etapa pode nos prender a uma atitude mortal, como sentar na beira da estrada quando a corrida está longe do fim. Redescobrir o gosto pela vida significa aceitar seus legados, “para não ficar amargurado, para conhecer a paz verdadeira”, lembra Agnès. “No início do meu câncer, tive que colocar toda minha energia em dizer sim a essa doença que estava me corroendo, tive que aceitar”. O consentimento não significa de forma alguma resignação mórbida ou descuido: “O desafio é abrir-se para toda a vida, analisa Martin Steffens, aprender a ser criativo a partir das dissonâncias, e não apesar delas, criando a melodia de nossa felicidade”. Aceitar a deficiência de uma criança, aceitar viver com um espinho na carne, pode levar uma vida inteira, com altos e baixos. O caminho não é linear e requer uma grande mudança interna.
Isabelle Rochette percebe que, para viver, ela precisa renunciar a certos comportamentos, renunciar ao “por quê?”. “Após morte do marido, renunciar aos ‘ses’, ‘se Bruno ainda estivesse lá…’. Tantas frases que são ‘verdadeiros venenos, pois me impediram de seguir em frente’, conclui. No caso, a única coisa que depende de si mesmo é a forma de assumir, de tomar as rédeas. “O resto, tenho de concordar”, acrescenta Martin Steffens, “na maioria das vezes sem entender”. “O que Deus nos pede antes de tudo é precisamente que lhe demos toda a nossa confiança”, continua Isabelle Rochette. Acredite que esta provação tem um sentido, aceite não saber tudo e entregue-se completamente nos braços do pai. É uma graça, fruto da oração, especialmente a oração dos outros por nós.
Duas passagens do Evangelho nos ajudam a dar esse salto de fé. Os versos da tempestade acalmada: “Jesus está no barco, comenta Olivier Belleil, mas não age imediatamente, nem como e quando se gostaria”. Segundo texto: “Pedro anda sobre a água”, continua Olivier Belleil , “mas, vendo a força do vento, se assusta e afunda. Na provação, o curso é o mesmo: se eu apenas vejo minha dificuldade, eu afundo; se eu olhar para Jesus, se tiver confiança nele, posso andar sobre as águas, continuar a viver e seguir em frente”. Jesus, na sua Paixão, evolui de um sentimento de abandono onde clama ao Pai, ao abandono confiante, na hora da sua morte: “Em tuas mãos entrego o meu espírito”. “Este caminho de Jesus, na cruz, deve ser nosso durante as provações”, conclui o pregador.
Provações e fé: reflexões e recursos para experimentar um novo começo
Aceitar não significa já ter sido curado. Precisamos de tempo para curar, para suportar os dias cinzentos. A sabedoria popular nos diz: dê tempo ao tempo. Requer muita paciência e esperança, disponibilidade para a existência, para a obra que a vida realizará por si mesma. “Renascer não é apagar tudo e começar do zero”, diz Nathalie Sarthou-Lajus , “é experimentar um novo começo, com nossas cicatrizes que permanecem como os estigmas de Jesus. Alguns ferimentos nunca desaparecem”.
Concretamente, alguns exercícios nos ajudam a caminhar para a recuperação. Brigitte sofreu uma depressão severa: “Todos os dias, eu me propus a aguentar até a noite. Eu vivia, dia após dia, tentando entregar todas as minhas ansiedades a Deus quando ia para a cama”. Amanhã será outro dia, costumava dizer. Isabelle Rochette vai mais longe: “Decidi empenhar-me em discernir e acolher a multiplicidade de graças com que os nossos dias estão pontilhados. Assim, fechando os olhos para tudo que estava errado e agarrando essas pequenas coisas , pude encontrar a alegria novamente”. É importante qual atitude cada um escolha adotar em relação às suas feridas. Reconhecer-se como vítima de uma provação faz parte do caminho, mas manter o status de vítima não permite que você siga em frente. O perigo seria existir por seu infortúnio e usá-lo para justificar-se de tudo. Caroline, que tem dois filhos com fibrose cística, confirma: “Decidi não reclamar mais. Não sou responsável por este calvário, mas pelo que faço com ele”.
No nosso caminho, nossos irmãos estão lá, desajeitados talvez, mas presentes. Agnès lembra a infinidade de pequenos sinais de amizade que seus amigos lhe enviaram durante sua doença: “Pude contar com a amizade. Foi um bálsamo para o sofrimento”. Depende de nós nos fortalecer em nossos entes queridos e também no Espírito Santo. “Ele merece seu nome de Consolador”, observa Olivier Belleil. Muitas pessoas experimentaram isso encontrando paz no coração em uma situação de tempestade. Ler a Bíblia é um apoio inestimável, pois ela nos mostra todas as situações de provações. “Fico impressionado com a linguagem do livro de Lamentações, continua Olivier Belleil, ou mesmo com os profetas que, vivendo em intimidade com Deus, às vezes tinham em seu sofrimento um desejo explícito de morte. Muitos Salmos começam com gritos e terminam com louvor. Portanto façamos da nossa vida um grande salmo!”
Se o grão não morre, não dá fruto. “Acredito firmemente, escreve o Irmão Philippe Raguis, de Toulouse na frança, que nossas batalhas pessoais revestem mais do que nunca uma dimensão de participação na cruz de Cristo. É Ele quem nos dará forças para continuar nossa caminhada. Esta é a condição da verdadeira paz. Nossas provas podem, portanto, ser fecundas: “Na ressurreição de Jesus, observa Olivier Belleil, os estigmas tornaram-se feridas gloriosas, eles deixaram a luz passar”.
Por Florence Brière-Loth, via Aleteia