Vida humana: Papa Francisco propõe uma visão global da bioética
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26/06/2018
A luta pela legalização do aborto está novamente na ordem do dia. Na Irlanda, país de sólidas tradições católicas até há poucos anos, um referendum popular avalizou a mudança da Constituição, permitindo o aborto até à 12ª. semana de gestação. Na Colômbia, da mesma forma, o aborto foi legalizado. Há poucos dias, a Câmara dos Deputados da Argentina deu o aval, com vantagem de votos, ao aborto até à 14ª. semana de gestação, bastando a solicitação da gestante. Em todo o caso, a aprovação definitiva da nova disposição legal ainda depende do Senado argentino.
E aqui, no Brasil, numa manobra ardilosa da militância pro-aborto, a legalização do aborto passou da competência do Congresso Nacional para a Supremo Tribunal Federal (STF). O argumento inaceitável é que o Congresso não tem a coragem de tomar a decisão, bem sabendo que uma larga maioria da população brasileira é contrária à legalização do aborto. Estranhamente, neste caso, o STF assumirá função legislativa, ao invés de guardião da Constituição, como é seu papel constitucional. O Congresso Nacional até parece sentir-se confortável com essa “cessão de competências”…
Quem luta pela legalização do aborto, usa a linguagem dissimulada de “interrupção voluntária da gravidez”, argumentando que se trata de uma afirmação da vontade individual, como valor supremo, a ser respeitado sempre, mesmo acima do direito à vida de outrem. Com essa expressão, esconde-se o efeito trágico da interrupção voluntária da gravidez, que coloca fim a uma vida humana indefesa e inocente. E quem o pode negar?
Argumenta-se que muitas mulheres, após um aborto inseguro, têm sequelas e até podem morrer e isso pode ser verdade. No entanto, a mulher não é obrigada a fazer o aborto. E não se fala das centenas de milhares, senão dos milhões de fetos e bebês, que são voluntariamente matados cada ano no ventre materno em consequência de abortos “seguros” e inseguros. Por que motivo não se fazem campanhas contra o aborto, qualquer que seja a sua forma, para preservar a vida e a saúde de mães e filhos. Não seria o caso de fazer campanhas contra as clínicas abortistas e a prática do aborto doméstico e inseguro, em vez de legalizar essa prática cruel?
O aborto clandestino é um problema de saúde pública? Pode até ser. Mas é preciso entender bem, de saída, que a gravidez não é uma doença nem representa, normalmente, um risco para a saúde da mulher. Ao se falar em “problema de saúde pública”, geralmente, os números são superdimensionados. Além disso, seria necessário falar, antes de mais nada, que o aborto é um gravíssimo problema de saúde pública e um grave desrespeito aos direitos humanos porque ceifa sem nenhuma chance de defesa, a vida de milhões de nascituros, sobre cujo direito de nascer e viver a sociedade também deveria velar. E não se fala que a consumo de drogas e de álcool, o hábito de fumar e a violência no trânsito, que são problemas de saúde pública muito graves. Nesses casos, muitas pessoas morrem e outras muitíssimas ficam doentes ou têm sequelas para o resto da vida, devendo ser amparadas por toda a sociedade.
Argumenta-se ainda que o aborto deve ser tratado como um assunto político e democrático, não sendo aceitável a influência do discurso religioso ou moral. Francamente, é difícil imaginar que o aborto não tenha a ver com a moral, sendo que está em jogo uma decisão sobre a vida e a morte de outro ser humano! Se isso não interessa à moral, que outro assunto poderia ainda lhe interessar?! E por qual motivo as pessoas que têm fé religiosa não devam manifestar em público e defender sua posição sobre o aborto? Seriam elas cidadãos de segunda classe numa sociedade pluralista e democrática, sem o mesmo direito à livre manifestação de seu pensamento e opinião?
De toda maneira, é preciso evitar que a defesa da vida seja reduzida a um argumento religioso e de fé sobrenatural. A dignidade humana e o direito à vida não são necessariamente “assuntos religiosos” e interessam a todos. Certamente, também pessoas sem fé nem religião têm apreço à vida humana e não aceitam que se possa, simplesmente, tornar “legal” o ato de agredir ou matar uma pessoa adulta ou indefesa. Mais ainda, quando se trata de crianças e de bebês ainda não nascidos.
O argumento de que a mulher é dona de seu corpo e tem o direito de fazer com ele o que bem entende é absolutamente falso. No caso do aborto, o bebê em gestação já é um outro ser, diverso da mulher; e um outro corpo, diverso do da mulher, embora estreitamente dependente dela. Isso não afirmado pela religião, mas pela ciência. A mulher gestante é guardiã da vida frágil e da pessoa ainda em gestação. E, com ela, toda a sociedade deve desempenhar esse papel.
Por Cardeal Odilo Pedro Scherer – Arcebispo de São Paulo