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Duzentos anos atrás, uma francesa, fundadora da Congregação das Irmãs do Bom Pastor, Santa Maria Eufrásia Pelletier, gritou misticamente: “Uma pessoa vale mais que o mundo”. Ela gritou, especialmente, em defesa da mulher, naquela época, pouco valorizada e reconhecida. Esse gesto precisa ecoar no coração da sociedade pós-moderna para o enfrentamento de tudo aquilo que empurra para o alto, de modo assustador, as estatísticas dos milhares de seres humanos que desistem de viver. É uma situação alarmante. A cada 40 segundos uma pessoa, no mundo, se suicida. Esses números, algumas vezes omitidos em respeito à dor daqueles que vivem o luto, ou por falta de coragem de se dedicar a um complexo problema e, ainda, quem sabe, pela indiferença gélida que compassa as dinâmicas da atualidade, comprovam a urgência de entendimentos e de reações que impulsionem a recuperação daquilo que, após perdido, faz a vida também perder o seu sentido.
É oportuno e necessário pensar o alcance e o significado da afirmação: “Uma pessoa vale mais que o mundo”. O tesouro do mundo é cada pessoa. O mundo só tem sentido pelo valor inestimável de cada pessoa. Não se pode escolher valorizar um ou outro indivíduo, lógica perversa de discriminações e de segregações mortais, em razão da ganância e da idolatria patológica do dinheiro. A humanidade precisa, para além da tecnologia e do mesquinho sonho de sempre possuir mais, a todo custo, sem limites, compreender que uma pessoa vale mais que o mundo. Esse, incontestavelmente, é o ponto de partida para um novo humanismo. Assim, a campanha Setembro Amarelo põe no horizonte de toda a sociedade, no portal da casa de cada família e nas fachadas das instituições esta máxima: “Uma pessoa vale mais que o mundo”. A partir desse entendimento, práticas solidárias poderão corrigir descompassos que anulam a vida de maneira irreversível, subjugando-a. E a vida, quando subjugada, gera avassalador vazio existencial que animaliza e desfigura a humanidade, consequência de uma abominável antropofagia. Multidões desistem de viver, ou vivem pela metade. Perdem o gosto de praticar a solidariedade, enjaulando indivíduos em dinâmicas perversas, distantes da beleza do dom da vida.
O suicídio é uma realidade terrível na sociedade contemporânea e revela a imponência velada da morte – temê-la acirra o apego mesquinho a bens e riquezas, o que leva a depredações e violências de todo tipo, impactando pessoas em situação fragilizada. Sem forças, antecipam, no desespero, o final de suas vidas. O suicídio é sintoma de uma sociedade que desrespeita, e até mesmo anula, a dignidade a que todos têm direito, desvirtuando a vivência da verdadeira liberdade humana. Paradoxalmente, é sinal de profunda solidão, no tempo das sinapses das redes sociais e das comunicações. Merece, pois, redobrada atenção e adequado tratamento os condicionalismos sociais provocadores de suicídio – que incluem o histórico familiar e as enfermidades. Urgentes são a abordagem e a identificação, com o auxílio dos recursos técnicos e existenciais-relacionais, para enfrentar essa calamitosa situação, muitas vezes camuflada.
O número de suicídios é tão impressionante e atinge tantas e diferentes faixas etárias que parece inverossímil. Mas é certo que essas mortes causam um buraco doloroso na vida de famílias, déficits enormes para a sociedade. Obviamente, o primeiro passo para superar essa cruel realidade é ter coragem para não deixar que o suicídio seja tratado como tabu, além de estar sempre atento aos sinais dados pelas pessoas ao redor. É preciso enfrentá-lo antes que ele bata à porta, que se instale no coração de alguém próximo ou na sua própria vida. Não se pode dispensar o tratamento adequado, ainda um desafio para a saúde pública, e precisa-se da espiritualidade com força para produzir o sentido de vida. Essa união pode favorecer a reorganização das sinapses cerebrais, responsáveis por funcionamentos que reúnem neurotransmissores decisivos no reconhecimento do sentido existencial, possibilitando a percepção da vida como dom que se revela na alegria de amar e ser solidário.
A fé cristã tem indicações preciosas ao promover o encontro de cada pessoa com Jesus Cristo. Assim, possibilita a reorientação permanente na perspectiva do amor que dá sentido ao viver, mesmo diante de dificuldades e das labutas mais desafiadoras, até mesmo quando se chega ao limite do martírio. O alarme do suicídio põe no horizonte as urgências de um novo modo de se pensar a vida. O ponto de partida desse exercício, com força profética e impulso transformador, é o princípio para corrigir modos de viver e conviver: “Uma pessoa vale mais que o mundo”.
Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB, via CNBB