Dicastérios da Cúria, um dos temas da reunião do C9 concluída ontem
10/02/2016Cinzas
10/02/2016“Estou muito feliz”. O Papa Francisco sintetiza em uma palavra toda a emoção pelo encontro do próximo dia 12 de fevereiro com o patriarca de Moscou, Kirill, em Cuba. Mil anos de cisma entre Igreja católica e ortodoxa que se derretem em um abraço entre os dois irmãos. Um trabalho de diplomacia tão primoroso quanto simples na sua estratégia.
O próprio Pontífice é que narra em uma conversa com o jornal italiano Corriere della Sera, em dias passados na Casa Santa Marta com o jornalista Massimo Franco e o diretor do jornal Luciano Fontana. “Deixei fazer”, explica Bergoglio aos seus interlocutores explicando o processo que levou ao histórico evento, “somente disse que gostaria de encontrar e reabraçar os meus irmãos ortodoxos. Tudo aqui. Foram dois anos de negociações escondidas, bem levadas por excelentes bispos”.
“Para os ortodoxos – acrescenta – ocupou-se Hilarion, que além de ser excelente é também um artista, um músico. Eles que fizeram tudo”. O ministro das Relações Exteriores do Patriarcado de Moscou, também ao Corriere della sera, tinha anunciado, em junho passado, que o encontro “estava programado” e expressava a esperança de que “não se encontrassem em um futuro Papa e um futuro Patriarca, mas estes dois”.
Espero que se concretize daqui a poucos dias. Francisco se diz satisfeito, especialmente porque construiu uma outra ponte. “Pontes: isso é que se precisa construir”, reitera, de fato, em uma conversa, “passo a passo, até chegar a apertar a mão de quem está do outro lado”. Porque “as pontes duram, e ajudam à paz”, “os muros não: esses parecem proteger-nos, mas, pelo contrário, só nos separam. Por isso devem ser destruídos, não construídos”.
“De qualquer forma – afirma Bergoglio – estão destinados a cair, um depois do outro. Pensemos no de Berlim. Parecia eterno, e, pelo contrário: puff, um dia caiu”. Então não precisa perder nenhuma ocasião para construir pontes.
Precisamente isso é a prioridade do pontificado desse Papa ‘vindo do fim do mundo’: uma abordagem inclusiva que rompe os detritos deixados pelos erros do passado para restabelecer uma nova ordem mundial. Demonstrado pela mediação entre EUA e Cuba; a viagem aos Estados Unidos; a abertura do Jubileu na Áfriica; a reconciliação com o mundo ortodoxo e também a mão estendida com a China com a entrevista em dias passados ao Asia Times (chamada erroneamente Asia News no artigo do Corriere della Sera), no qual o bispo de Roma expressava seus melhores votos ao Presidente da República popular, Xi Jinping pelo início do Ano Novo chinês.
Todas as etapas de uma “estratégia de pontes”, expressão de um “Ocidente alternativo”. Para realiza-lo o primeiro passo é evitar qualquer tipo de guerra, afirma o Papa. Hoje, de forma especial: “Não podemos dizer que estamos rodeados por um mundo em paz – observa – em todo o lado há conflitos. Falei de terceira guerra mundial em pedaços. Na verdade, não é em pedaços: é precisamente uma guerra. As guerras, como se fazem? Agindo sobre a economia, com o tráfico das armas, e fazendo a guerra contra a nossa casa comum, que é a natureza”.
A este respeito, Francisco – ecoando a sua Laudato Si – recorda que “cortar as árvores significa desertificar territórios inteiros”. Por isso, observa, “em países como a Zâmbia começaram a replantar, para reflorestar áreas para evitar o esgotamento da terra. E devemos estar atentos às monoculturas. Se se produzem sempre as mesmas coisas, sem alternar as culturas, rapidamente o terreno morre”.
O tráfico de armas. “Os traficantes estão fazendo um monte de dinheiro, comprando armas de um País que lhe dá para atingir um outro, seu inimigo. E já se sabe quais são”, diz.
O olhar está voltado exatamente na intervenção militar do Ocidente no Norte da Áfricas e as assim chamadas “primaveras árabes”: uma aposta que agora se paga um caro preço. “Sobre as primaveras árabes e o Iraque se poderia imaginar antes o que poderia acontecer”, comenta Bergoglio, e não esconde a sua apreensão por tudo o que poderia acontecer se EUA e Europa acharem que devem atacar de novo o território líbrio, lacerado entre tribalismo e terrorismo islâmico. “Pensemos na Líbia antes e depois da intervenção militar: antes de Khaddafi só havia um, agora existem cinquenta. O Ocidente deve fazer auto-crítica”, diz o Papa.
E sobre a Rússia, explica que “em parte houve uma convergência de pontos de vista entre a Santa Sé e a Rússia. Em parte, é bom que não exageremos, porque a Rússia tem seus próprios interesses”. O ex-império soviético “tem sangue imperial”, dos tempos da czarina Catarina, no entanto, – destaca Bergoglio – “pode ??dar muito”.
Um potencial que pode ser vislumbrado também na Europa; continente que, no seu discurso, em Estrasburgo de Novembro 2014, não hesitou em definir “uma mulher, não fértil e vivaz”. Palavras que a chanceler alemã Angela Merkel digeriu com dificuldade, tanto que – diz o Papa – “ligou para mim poucas horas depois… Estava um pouco brava porque eu tinha comparado a Europa com uma mulher estéril, incapaz de fazer fihos. Perguntou-me se realmente eu pensava que a Europa não podia fazer mais filhos. Eu lhe respondi que sim, a Europa ainda pode fazer, e muitos, porque tem raiz sólidas e profundas. Porque tem uma história única. Porque teve e ainda pode ter um papel fundamental: pensemos só na cultura e nas tradições que encarna. E porque nos momentos mais negros sempre demonstrou ter recursos não pensados”.
O ponto de vista sobre o Velho Continente é, portanto, o mesmo: “A Europa deve e pode mudar. Deve e pode reformar-se”. Especialmente sobre a questão do fluxo impressionante de migração que a atingiu nos últimos tempos. A este respeito, Francisco recorda a sua visita à Lampedusa: na época “o problema da imigragação tinha só começado. E agora explodiu”; A Europa se encontra, portanto, diante de “um desafio” que deve enfrentar “com inteligência, naturalmente, porque detrás está o problema enorme e terrível do terrorismo”.
“Se não é capaz de ajudar economicamente os Países de origem, deve por-se o problema de como enfrentar este grande desafio que é, em primeiro lugar, humanitário, mas não só”, acrescenta o Pontífice, que releva também uma ‘quebra’ do sistema educacional “que transmitia os valores dos avós para os netos, dos pais para os filhos”. “Bem, temos de enfrentar o problema de como reconstruí-lo.”
Uma esperança, neste sentido, pode vir a partir da memória das “grandes personalidades esquecidas” em sua história recente: a chanceler alemã, Konrad Adenauer, o ministro do Exterior da França, Robert Schuman, o italiano Alcide De Gasperi. Mas também, de acordo com o Papa, há “grandes esquecidos” na crônica dos nossos dias.
“Por exemplo – diz – a mulher-prefeito de Lampedusa, Giusi Nicolini”, desde sempre ativa em favor dos refugiados, ou também o presidente da república emérito, Giorgio Napolitano. “Quando Napolitano aceitou, pela segunda vez, naquela idade, e embora por um período limitado, assumir o cargo daquele peso, liguei para ele e disse-lhe que era um gesto de ‘heroísmo’ patriótico”.
“Entre os grandes da Itália de hoje” Bergoglio cita o ex ministro Emma Bonino. O pontífice explicou dizendo que o expoente radical “é a pessoa que conhece melhor a África”, que “ofereceu o melhor serviço à Itália por conhecer a África. Me dizem: é alguém que pensa de forma muito diferente de nós. Verdade, mas paciência. É preciso olhar para as pessoas, para o que fazem”.
Por Zenit