A revolução social e política (não tão silenciosa) do Papa Francisco
14/03/2016Papa: quantos “vales tenebrosos”, mas o Senhor está conosco
14/03/2016Milhões de brasileiros saíram às ruas no domingo em protesto contra os escândalos de corrupção que têm corroído as instâncias de poder no país.
A Rádio Vaticano pediu ao Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, que também é Vice-presidente da CNBB, uma análise dos fatos.
O arcebispo fala da ausência de políticos com “grandeza de estadistas”, faz uma observação crítica sobre a formação pela Igreja de leigos “que levem as dimensões da fé para a sua atuação política” e cita o Papa Francisco ao diferenciar pecado de corrupção.
Dom Murilo: Penso que ficou muito claro que não são e não foram manifestações ideológicas porque também políticos da oposição foram vaiados, não foram aceitos como participantes das manifestações. Na verdade, essas manifestações, de norte a sul, manifestaram uma indignação do povo com a situação em que chegamos. Porque, de um lado, estão os políticos pensando apenas em si e não no projeto em favor do Brasil e de seu povo, e de outro, a própria corrupção, e as consequências estão aí.
RV: Acredita que o término do atual governo seja a solução para a crise?
Dom Murilo: Não necessariamente. Porque também as perspectivas que temos pós este governo também não são das mais otimistas. Eu penso que seria a hora de os nossos políticos pararem, se sentar e dizer: vamos esquecer que somos cada um de um partido diferente, mas há uma realidade que é maior do que nós: buscar o que é melhor para o Brasil. Mas isso exigiria uma grandeza de estadista que, infelizmente, grande parte de nossos políticos não tem, e isso é mau. Porque, ontem, os próprios partidos políticos foram rechaçados. Ora, não existe democracia sem partido político, aí começa a ter aquele medo da força militar, ou pior, violência para tentar, pela violência, conseguir alguma mudança. Então, isso é muito triste que os próprios partidos tenham perdido a sua pouca credibilidade.
RV: Os bispos do Brasil se reunirão em Assembleia Geral no mês que vem. Novos contextos para serem analisados?
Dom Murilo: Sim, e aí não serão mais os 40 bispos do nosso Conselho, e sim 300 bispos a manifestar a sua posição. Tenho certeza que desta contribuição de cada um, porque na verdade, a grande riqueza de uma Assembleia como a nossa, com visões tão diferenciadas, faz com que as nossas notas sejam muito equilibradas. Para mim, sempre, participar da elaboração de uma nota, de um documento na CNBB, é participar de uma verdadeira ação do Espírito Santo, onde não se manifesta o desejo de um ou de outro, mas aquilo que realmente é a síntese do pensamento do episcopado brasileiro. Provavelmente também deverá sair uma nota, uma manifestação, sobre o momento do Brasil. Nós queremos ao menos dizer: acreditamos que para obtermos o que queremos o caminho deverá ser este.
RV: Neste momento de crise, também a CNBB olha para dentro de si para promover alguma mudança? Qual o senhor acredita que seja uma mudança necessária?
Dom Murilo: Em primeiro lugar, teremos um documento que está sendo preparado para ser aprovado sobre os leigos. Qual o seu papel dentro da Igreja e fora da Igreja. Eu penso que muita coisa que está acontecendo é porque nós não temos leigos devidamente preparados e conscientes de sua missão de ser a presença da Igreja no mundo. Por isso, que volta e meia, nasce a tentação de algum padre de querer se candidatar para ajudar a melhorar o Brasil: não é função do padre. Para isso, devemos formar leigos que levem as dimensões da fé para a sua atuação política. Não queremos formar um grupo de parlamentares católicos para defender interesses da Igreja Católica, isso não existe, nunca quisemos isso, e não queremos. Queremos sim que o leigo que optar pela política porque sente vocação para isto, assuma decididamente o seu papel, e lute por um país justo, fraterno, solidário. Nós sabemos que se bons políticos não ocuparem o espaço da política, abre-se um caminho imenso, aberto, para os medíocres que se interessam em ocupar este espaço. Estamos vendo aí o resultado disso. Portanto, diferentemente de outras igrejas, a Igreja Católica não lança candidatos e nem diz ao povo: é preciso votar no a, no b ou no c. Não. Nós queremos que o nosso católico também olhe com consciência na hora de votar e escolha aqueles que ele julga que sejam capazes de realmente representá-lo, e representá-lo bem.
RV: Principalmente num contexto em que a cultura política foi sempre marcada pela corrupção em nosso país, infelizmente…
Dom Murilo: Este é o grande desafio. Aquilo que o Papa fala da diferença entre o pecado e a corrupção: pecado são atos, a corrupção é um estado, uma mentalidade que pervade a sociedade. E é em função desta mentalidade que quem detém o poder acaba pensando: eu tenho direito de me aproveitar porque eu estou no poder. E a gente está vendo no Brasil todos os dias novas notícias de desvio de dinheiro, e não se fala mais em milhões de reais, mas de dezenas, centenas de milhões de reais. O povo vê isso, de um lado falta saúde adequada, não tem escola, o transporte é precário. Claro que o povo se levanta e vai para as ruas. Graças a Deus foi para a rua de uma forma pacífica, mas a gente sabe que nesta hora, se pessoas inescrupulosas conseguirem pegar essa insatisfação e canalizar em função de seus objetivos nada dignos, é um perigo para o país, são momentos assim de crise, mas de uma crise que pode levar para uma opção pelo bem, mas que pode levar também para uma opção pelo mal.
Por Rádio Vaticano