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18/05/2016Publicada integralmente ontem a longa entrevista realizada no dia 9 de maio pelo jornal católico de Paris, La Croix, ao Papa Francisco. Vários foram os temas tratados: do terrorismo à crise de vocações.
Falando do terrorismo islâmico o Santo Padre nos convida a um exame de consciência: “Seria melhor perguntar-nos sobre a forma como um modelo muito ocidental de democracia foi exportado a países como Iraque, onde anteriormente havia um poder forte”. Ou também na Líbia, “onde há uma estrutura tribal.” “Nós não podemos avançar sem levar em conta essas culturas. Como disse recentemente um líbio: “Estamos habituados a ter uma Gaddafi, agora temos cinquenta’”, diz.
Na Europa, no entanto, há uma islamofobia generalizada; segundo o Papa trata-se mais de medo “por causa do Isis e a sua guerra de conquista que, em parte, vem do Islã”. “É verdade que a ideia da conquista pertence ao espírito islâmico”, destaca o Pontífice, “mas poderia se interpretar a mesma ideia de conquista ao final do Evangelho de Mateus, quando Jesus envia os discípulos a todas as nações”.
Sobre a Europa, Francisco salienta que “é preciso falar de raízes no plural porque existem muitas”. “Nesse sentido – acrescenta – quando escuto falar de raízes cristãs da Europa, tenho algumas dúvidas sobre o tom, que pode ser triunfalista ou vingativo. Isso, então, torna-se colonialismo. João Paulo II falava com um tom tranquilo. A Europa, sim, tem raízes cristãs. O cristianismo tem o dever de regá-las, mas em um espírito de serviço como para a lavagem dos pés. O dever do cristianismo para a Europa é o serviço”.
Nesta mesma Europa – Papa Francisco está convencido – “a coexistência entre cristãos e muçulmanos ainda é possível”; “eu mesmo – diz ele – venho de um país onde convivem bem. Os muçulmanos reverenciam a Virgem Maria e São Jorge. Em um país da África, me disseram que para o Jubileu da Misericórdia os muçulmanos fazem longas filas na catedral para passar pela Porta Santa e rezar à Nossa Senhora. Na África Central, antes da guerra, cristãos e muçulmanos moravam juntos e devem reaprender a fazê-lo hoje. O Líbano mostra que isso é possível”.
A discussão aqui se move sobre a questão da imigração; pergunta-se ao bispo de Roma se o Velho Continente tenha a capacidade de acolher tantos refugiados. “Essa é uma pergunta responsável porque pode-se abrir as portas de forma irracional” afirma, “mas a pergunta de fundo que deve ser feita é porque existem tantos migrantes agora. Os problemas iniciais são as guerras no Oriente Médio e na África e o subdesenvolvimento do continente africano, que provoca a fome”.
“Se há guerras – diz Francisco – é porque há fabricantes de armas, que podem ser justificados para fins defensivos e, especialmente, traficantes de armas. Se há tanto desemprego, é devido à falta de investimento capazes de levar o trabalho à África que tem tanta necessidade”.
Em qualquer caso, “a pior forma de acolhida é a guetização”, comenta o Papa; Deve-se lutar contra essa com uma obra de integração que é característica da Europa: “Basta pensar em Gregório Magno, que tinha negociado com povos conhecidos como bárbados, os quais, depois, se integraram…”.
“Em Bruxelas, os terroristas eram belgas, filhos de imigrantes, mas crescidos em um gueto”, observa o Papa; “Em Londres, o novo prefeito prestou seu juramento em uma catedral e certamente irá encontrar-se com a Rainha. Isso mostra a necessidade da Europa redescobrir sua capacidade de integrar”. “Isso é “tão mais necessário hoje, na sequência de uma busca egoísta de bem-estar, quando a Europa está enfrentando o grave problema de uma taxa de natalidade em declínio”, evidencia o Papa, “um vazio demográfico se afirma. Na França, porém, graças à política familiar, esta tendência foi atenuada”.
Juntamente com isso vai cada vez mais se espalhando “um sistema econômico mundial que caiu na idolatria do dinheiro”, no qual “mais de 80% das riquezas da humanidade estão nas mãos do 16% da população”. “Um mercado completamente livre não funciona”, diz Bergoglio, “os mercados em si são um bem, mas exigem um terceiro ou um estado que os supervisione e equilibre. Em outras palavras o que serve é uma economia social de mercado”.
Na entrevista não faltaram também as referências a temas como a eutanásia e as uniões civis. Diante dessas leis como devem reagir os católicos? “Cabe ao Parlamento debater, discutir, explicar, dar razões”, explica o Papa Francisco, “é assim que uma sociedade cresce. No entanto, uma vez que uma lei tenha sido aprovada, o Estado deve também respeitar as consciências”.
O Papa reafirma, portanto, “o direito à objeção de consciência” a ser reconhecido “dentro de cada estrutura jurídica, porque é um direito humano”. “Também para um funcionário público, que é uma pessoa humana. O Estado dve também tomar em consideração as críticas. Esta seria uma verdadeira forma de laicidade. Não é possível ignorar os argumentos apresentados pelos católicos dizendo simplesmente que “falam como um padre”. Não, eles se fundamentam naquele tipo de pensamento cristão que a França grandemente desenvolveu”.
Ou seja, aquela laicidade aquela laicidade da qual a França é modelo. “Os estados devem ser seculares, os confessionais terminam mal – explica o Papa – são contra a história. Eu acredito que uma versão da laicidade, acompanhada por uma sólida lei que garanta a liberdade de religião, ofereça um quadro de referência para seguir adiante. Somos todos filhos e filhas de Deus, com a nossa dignidade pessoal”.
“Cada um – continua – deve ter a liberdade de expressar a própria fé”: a mulher muçulmana se quer usar o véu, “deve poder fazê-lo”; da mesma forma, “se um católico quer usar uma cruz”. “As pessoas – destaca Francisco – devem ser livres para expressar a sua fé no coração das suas próprias culturas e não às suas margens”.
O importante é “não exagerar com a laicidade”, porque isso “leva a considerar as religiões como subculturas, em vez de culturas propriamente ditas com os seus direitos”. “Temo – disse o Papa – que esta abordagem, um compreensível patrimônio do iluminismo, continue a existir. A França precisa dar um passo adiante sobre este tema a fim de aceitar o fato de que a abertura à transcendência é um direito de todos”.
Na mesma linha Bergoglio aborda a questão da diminuição das vocações e da falta de sacerdotes. Em seguida, cita o exemplo da Coreia, o país “por 200 anos evangelizado por leigos”. Uma demonstração, então, de que “não se precisa necessariamente de sacerdotes para evangelizar. O batismo nos dá a força para fazê-lo”. O problema é sempre o clericalismo, um “perigo” que é “particularmente significativo na América Latina”.
Francisco também falou da relação com a Fraternidade São Pio X fundada pelo arcebispo Marcel Lefebvre, afirmando que o superior, mons Bernard Fellay – com o qual se encontrou no último dia 4 de abril – “é um homem com o qual é possível dialogar”. Sobre os lefebvrinos o Papa afirma, portanto, que são “católicos a caminho da plena comunhão”; recorda, portanto, que o Concílio Vaticano II tem o seu valor e que precisa proceder no diálogo com a Fraternidade “lentamente e com prudência”.
Por Zenit