Até pouco tempo atrás, antes do Concílio Vaticano II, os jovens que decidiam entrar no seminário participavam de uma celebração na qual, solenemente, recebiam a batina. Era o rito de passagem para dizer que, a partir daquele momento, aquele jovem tornava-se um clérigo, um homem a caminho e em formação para o exercício do sacerdócio. João Bosco, tendo decidido entrar no seminário diocesano após os conselhos do Pe. Comollo e a ajuda do Pe. Cinzano, preparava-se para receber o hábito eclesiástico.
Cultivava a absoluta certeza que a salvação da pessoa depende da escolha certa da sua vocação. Por isso, pediu para muitos amigos que, nestes dias, rezassem por ele. Ele mesmo realizou uma novena para, no dia 25 de outubro de 1935, receber a batina pelas mãos do Pe. Cinzano.
Temos que lembrar que João, assim como sua mãe, haviam aprendido dos sermões que escutavam que Deus nos havia “predestinado” a uma determinada vocação. Esta era a doutrina da época sobre a vocação, fruto de uma antiga tradição teológica usual na catequese e na literatura deste tempo. Às vezes, porém, por conta de um rigorismo moral que ensinava que a vida cristã era difícil, ameaçada continuamente pelo pecado e que a escolha da vocação era um passo do qual dependia a salvação da pessoa. Eram convicções religiosas e morais que causavam lamentáveis estados de preocupação e de angústia. Por isso para João é indispensável rezar muito, ler algum livro sagrado ou devoto que poderia lhe ajudar a acertar em sua escolha. Sentia necessidade de mortificar as tendências negativas da natureza e de pedir oportunos conselhos para não correr o risco de errar.
No dia em que João recebeu a batina, havia a igreja um número extraordinário de jovens naquele dia, vindo de vários lugares da região. Todos admiravam a compostura, a grande devoção e a humildade de João durante a celebração.
Nas “Memórias do Oratório de São Francisco de Sales”, Dom Bosco conta o que sentiu e viveu neste dia, narrando os gestos do rito da vestidura clerical. No momento em que o padre pede para que o candidato ao sacerdócio retire as suas vestes seculares, ele diz: “despoje-te o Senhor do homem velho e das suas ações”. João, no seu coração, rezou: “Oh! Quanta coisa velha há que tirar! Meu Deus, destruí em mim todos os maus hábitos”.
Dom Bosco continua contando que, ao entregar o colarinho da batina para João colocar, o padre disse: “Revista-te o Senhor do novo homem, que foi criado segundo Deus, na justiça e na santidade da verdade”. João ficou profundamente comovido e disse para si: “Sim, meu Deus, fazei que neste momento eu me revista de um novo homem, isto é, que a partir de agora eu comece uma vida nova, toda conforme a divina vontade e que a justiça e a santidade sejam o objeto constante dos meus pensamentos, das minhas palavras e das minhas obras. Assim seja. Ó Maria, sede a minha salvação”.
Assim que acabou a celebração, o pároco de João quis levá-lo à festa de São Miguel em um povoado de Castelnuovo. João estava um pouco sem graça de ir nesta festa, ficou pensando que seria um “boneco de roupa nova, que se apresentava ao público para ser visto”. Além disso, depois de toda a preparação espiritual daqueles dias, não se sentiu à vontade na festa com toda aquela comida, bebida e diversão.
O pároco observou o comportamento de João e na volta para a casa perguntou porque estava tão retraído e pensativo num dia de tanta alegria. João procurou ser muito sincero e respondeu que não encontrava sintonia entre o que haviam celebrado pela manhã com esta festa da tarde. E disse mais: “ver padres bancarem os palhaços no meio dos convidados, já um tanto altos pelo vinho, quase despertou em mim aversão à minha vocação. Soubesse que havia de ser um desses padres, preferiria deixar este hábito e viver como um pobre leigo, mas bom cristão”.
“O mundo é assim”, respondeu o pároco – “É preciso ver o mal para conhecer e evitar”. João se calou após esta resposta, mas, no seu coração, prometeu que não iria mais a estes festejos públicos, a não ser que fosse por obrigações religiosas.
Mais tarde, ainda motivado pelo ideal de mudança de vida, João escreveu sete propósitos a serem seguidos daí em diante:
1) Não participar de espetáculos públicos em feiras e mercados, nem assistir bailes ou tatros; e na medida do possível não participar dos almoços que se ofereciam nestas ocasiões.
2) Não fazer mais exibições de prestidigitador, saltimbanco, malabarismo, corda; não tocarei violino, não irei mais à caça. Essas coisas todas considero-as contrárias à gravidade e ao espírito eclesiástico.
3) Amar e praticar o retiro, a temperança no comer e no beber; e para o repouso usar apenas as horas estritamente necessárias à saúde.
4) Procurar a servir a Deus com leituras religiosas.
5) Combater com todas as forças qualquer leitura, pensamento, conversa, palavras e obras contrárias à virtude da castidade. Fazer tudo para a conservação desta virtude.
6) Além das práticas ordinárias de piedade, fazer todos os dias um pouco de meditação e de leitura espiritual.
7) Contar todos os dias algum exemplo ou máxima que aproveite a alma do próximo.
Estes propósitos Dom Bosco colocou diante de uma imagem de Nossa Senhora e prometeu diante dela que as cumpriria. Alguns destes propósitos são um pouco radicais e ele mesmo chegará a conclusão que alguns deveriam ser revistos, como o que diz respeito às exibições de saltimbanco e de prestidigitação, que serão tão úteis na sua missão futura.
Pe. Glauco Félix Teixeira Landim, SDB
Animador das Dimensões Vocacional, Missionária e de Evangelização e Catequese da Pastoral Juvenil Salesiana
E-mail: [email protected] / Facebook: www.facebook.com/glaucosdb
ESPAÇO VALCOCCO
Capítulo 1: Espaço Valdocco: somos Dom Bosco que caminha
Capítulo 2: Um começo de vida marcado pela pobreza e por uma fatalidade
Capítulo 3: Uma mãe corajosa, amorosa e cheia de fé
Capítulo 4: Antônio, José e João: três irmãos muito diferentes
Capítulo 5: O início dos estudos de João Bosco e o começo dos conflitos familiares
Capítulo 6: Um sonho que ficou gravado profundamente na mente
Capítulo 7: Um sonho que é memória e profecia
Capítulo 8: Um sonho que envia um pastor para os jovens
Capítulo 9: Um saltimbanco de Deus
Capítulo 10: Deus tomou posse do teu coração
Capítulo 11: A fúria de Antônio
Capítulo 12: Um lugar com a família Moglia
Capítulo 13: Uma experiência rica de família e trabalho
Capítulo 14: Um tempo para aprender a falar com Deus
Capítulo 15: Um amigo inesperado
Capítulo 16: Um pai para Joãozinho Bosco
Capítulo 17: Um desastre que desfalece as esperanças
Capítulo 18: “O vaqueiro dos Becchi” retorna para a escola
Capítulo 19: Mais dificuldades na escola de Castelnuovo
Capítulo 20: Um amigo para toda a vida
Capítulo 21: “Se eu for sacerdote, serei muito diferente”
Capítulo 22: Férias em Sussambrino
Capítulo 23: O sacrifício de pedir ajuda
Capítulo 24: Chieri, uma cidade repleta de história, piedade e estudos
Capítulo 25: O início dos estudos em Chieri
Capítulo 26: Uma memória extraordinária
Capítulo 27: O cuidado de João em escolher suas amizades
Capítulo 28: A Sociedade da Alegria: uma maneira de evangelizar os colegas
Capítulo 29: O cultivo da espiritualidade na Sociedade da Alegria
Capítulo 30: João Bosco, filho de Maria Santíssima e testemunho da santidade para os seus colegas
Capítulo 31: O ano escolar de 1832-1833: a crisma de João Bosco e a ordenação do Pe. Cafasso
Capítulo 32: O amigo Luís Comollo
Capítulo 33: Um trabalho exigente no Café Pianta
Capítulo 34: Uma presença que causava admiração e fazia a diferença
Capítulo 35: A amizade e a conversão do judeu Jonas
Capítulo 36: Um jovem com muitos talentos e habilidades
Capítulo 37: Crise vocacional de João Bosco e a decisão de fazer-se franciscano
Capítulo 38: “Deus te prepara outro lugar, outra messe”
Capítulo 39: O Pe. Cinzano, instrumento da providência divina no caminho vocacional de João Bosco
Capítulo 40: O dia em que João Bosco recebeu a batina
Capítulo 41: E João finalmente entra no seminário