“Não é possível que a morte por enregelamento (morte por frio) de um idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o fato de se lançar comida no lixo quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte… Em consequência desta situação, grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída”. É o que nos diz o Papa Francisco acerca da pobreza no mundo em sua ‘Evangelii Gaudium’. E acerca da solidariedade assim termina sua consideração: ‘Ficar indiferentes à solidariedade põe-nos fora da vontade do Pai Celeste e do seu projeto”.
Também Bento XVI, sobre a pobreza, diz: “O aumento sistemático das desigualdades entre grupos sociais dentro de um país e entre as populações em diversos países – isto é, o maciço aumento da pobreza – tendem não só a corroer a coesão social, pondo em perigo a democracia, mas causam também um impacto negativo no plano econômico”.
João Paulo II, por sua vez, afirma: “Uma das maiores injustiças do mundo contemporâneo consiste precisamente nisto: são relativamente poucos os que possuem muito e são realmente muitos os que não têm quase nada. É a injustiça da má distribuição dos bens e serviços, destinados originariamente a todos”.
Do ‘Relatório sobre o Desenvolvimento Humano 2014’, apesar dos recentes progressos na área da redução da pobreza, deduz-se que mais de 2.200 milhões de pessoas encontram-se em situação de pobreza multidimensional e que mais de 15% da população mundial é vulnerável a ela. Ao mesmo tempo, quase 80% da população mundial não tem uma proteção social integral. Cerca de 12% (842 milhões) passa fome crônica; e quase a metade dos trabalhadores (mais de 1.500 milhões) tem emprego informal ou precário.
A pobreza altera o desenvolvimento normal da primeira infância: mais de 1 criança sobre 5, nos países em via de desenvolvimento, vive em condições de pobreza econômica absoluta e é vulnerável a desnutrição. Cada 100 crianças que vivem nesses países (onde vive 92% de todas as crianças do mundo), 7 não superam os 5 anos de idade, 50 não são registradas, 68 não recebem educação na primeira infância, 17 não se matriculam na escola elementar, 25 vivem na pobreza, 30 sofrem de atraso no crescimento (igual a cerca de 156 milhões de crianças no mundo).
Os jovens de todo o mundo são especialmente vulneráveis à marginalização do mercado do trabalho. Conseqüentemente, têm maior probabilidade de estar desempregados, de trabalhar sem contrato ou de ter um contrato muito precário. A taxa de desocupação juvenil mundial de 2012 se estimava em 12,7%: quase três vezes superior à taxa relativa aos adultos. A pobreza e a exclusão social são também um problema para quem está envelhecendo: cerca de 80% da população idosa mundial não tem uma aposentadoria e depende do trabalho e da família. Na velhice a pobreza com freqüência é crônica, enquanto a falta de oportunidade e segurança econômicas durante as precedentes etapas de vida se acumulam.
As minorias étnicas e religiosas são vulneráveis às práticas discriminatórias, têm acesso limitado aos sistemas de justiça oficiais, são vítimas de repressão e de preconceito. Os povos nativos representam 5% da população mundial e 15% das pessoas pobres no mundo. Um terço deles encontra-se em condições de extrema pobreza rural.
A situação de pobreza e miséria em que vivem tantos milhões de seres humanos impõe uma autêntica cultura da solidariedade e uma ética concreta de justiça. A solidariedade implica a solicitude de todos e de cada um pelo bem-comum. Implica portanto antes de tudo o reconhecimento e a aceitação do outro como Pessoa.
A solidariedade começa por aceitar a dignidade, a igualdade e a liberdade das pessoas. “Ajuda-nos – disse João Paulo II – a ver o outro como outro, e não como instrumento para explorar, a baixo custo, suas capacidades de trabalho e a sua resistência física, descartando-o quando já não nos serve mais; a vê-lo como um companheiro nosso, uma ajuda, para torná-lo partícipe, como nós, no banquete da vida, a que todos os homens são igualmente convidados por Deus”.
Trata-se de aceitar realmente que todos os homens são homens; que todo povo é um povo; que o patrimônio da humanidade é um patrimônio comum. Busca-se a superação de todas as diferenças pelas quais são medidas as pessoas: diferenças ideológicas, raciais, econômicas, religiosas, etc., isto é: busca-se a solidariedade que leva ao empenho pelos Direitos Humanos, pela dignidade e pela igualdade das pessoas. É necessário que os homens se sintam realmente como pertencentes à humanidade. Isto exige: superar as atitudes individualistas e egocêntricas, sentir como próprias as injustiças e as violações dos Direitos Humanos que se verificam em todas as partes do mundo, tomar consciência da situação intolerável da fome e da miséria.
O maior desafio da solidariedade é desenvolver uma ética e uma cultura que a tornem possível: muito frequentemente os pedidos e propostas de solidariedade aparecem como utópicas, irrealizáveis… Qualquer estratégia de mudança estrutural, nas relações internacionais injustas, necessita fundamentalmente de uma mudança cultural e ética dos hábitos de consumo, do estilo de vida, do comportamento econômico dos cidadãos.
Como escreveu João Paulo II, “a solidariedade internacional só será possível se mudarem sobretudo os estilos de vida, os modelos de produção e de consumo, as estruturas consolidadas de poder que dirigem a sociedade”.