Entre as leituras que acompanharam a formação espiritual de João Bosco, há de se recordar uma de modo particular: Imitação de Cristo. Trata-se de uma obra devocional escrita por um monge chamado Tomás de Kempis, publicada no século XV. Foi um dos livros cristãos mais traduzidos no mundo. Ainda é impresso e lido nos dias de hoje.Para João Bosco, uma importante influência na sua vida de estudante e de fiel cristão.
Em seu período de estudos no seminário, João Bosco teve uma certa dificuldade com a leitura de escritos espirituais. Ele mesmo nos diz: “Acostumado com a leitura dos clássicos durante toda a secundária, como também das figuras enfáticas da mitologia e das fábulas pagãs, não encontrava gosto nos escritos ascéticos. Cheguei a convencer-me que a boa escrita e a eloquência não poderia se conciliar com a religião. Mesmo as obras dos Santos Padres me pareciam obras limitadas, com exceção dos princípios religiosos que eles expunham com clareza e força. Isto era consequência de conversas com pessoas da Igreja muito instruídas em literatura clássica, mas pouco respeitosas com as grandes obras da Igreja, que não conheciam”.
E continua: “Até que no segundo ano de filosofia, fui um dia fazer uma visita ao Santíssimo Sacramento e, por não ter o livro de orações em mãos, peguei a “Imitação de Cristo” e li o capítulo sobre o Santíssimo Sacramento. Ao considerar atentamente a grandeza do pensamento, o modo claro e, ao mesmo tempo, ordenado e eloquente com que se expunha as grandes verdades, disse para mim mesmo: ‘O autor deste livro era um homem culto’. Continuei uma e outra vez lendo esse livro de ouro e não demorei para perceber que uma só de suas linhas continha mais doutrina e moral que todos os grandes volumes dos clássicos antigos”.
Sobre este fato, o estudioso salesiano P. Pietro Stella faz a seguinte observação: “Se tem a impressão de que o passo do gosto “profano” ao intransigentemente religioso teve lugar (se nos pautamos no que o próprio Dom Bosco nos relata) durante os anos de filosofia e que teve como momento culminante o início de 1837 com a leitura da Imitação de Cristo. Mas é possível indicar alguns elementos dominantes. Cada vez mais radicou-se nele a consciência de ter sido chamado por Deus ao sacerdócio e, ao mesmo tempo, o sentido da santidade especialissimamente exigida para subir ao altar, o desejo propulsor de afastar-se de costumes e atitudes que lhe pareciam incompatíveis com o estado sacerdotal”.
O rigor ascético que João Bosco irá se impor e que, mais ou menos diretamente, indicará aos seus salesianos no futuro, como premissa necessária para uma vida religiosa serena, se traduz aqui em manterem-se longe da “leitura profana”: esta, na realidade, parece ser a intenção de Dom Bosco ao narrar o seu interesse pela “Imitação de Cristo”, a distância de tantos anos do fato.
O amor e a estima de Dom Bosco por este texto serão atestados também em outro lugar. A “Imitação de Cristo” seguirá entre os textos aconselhados para a leitura espiritual diária no “Jovem Instruído”, o difundido manual de oração para jovens editado pela primeira vez por Dom Bosco em 1847 e que chegou a ter 120 edições e reimpressões até 1888, ano da morte do nosso santo fundador.
A mesma indicação aparece também no texto das Constituições do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, em 1885: “No quarto de hora assinalado para a leitura espiritual usarão os livros indicados pelos superiores. Recomenda-se, sobretudo: a ‘Imitação de Cristo’; a ‘Filotéia’ de São Francisco de Sales adaptada para a juventude […] e as vidas dos santos e das santas que se dedicaram à educação da juventude”.
Nas Memórias Biográficas, o Pe. Lemoyne também faz notar que Dom Bosco foi, no seminário, um grande leitor dos Santos Padres e dos Doutores da Igreja como Santo Agostinho, São Jerônimo e especialmente Santo Tomás de Aquino. Tanto assim que chegou a decorar muitos trechos de diversas obras da literatura tomista. Durante os quatros anos que ainda permaneceu no seminário leu e estudou toda a Bíblia.
Com isso tudo, o clérigo Bosco terminou o segundo ano de filosofia muito enriquecido com novos conhecimentos, com o afeto de seus companheiros e de muitos amigos que havia conquistado na cidade de Chieri. Ainda nas Memórias Biográficas, o Pe. Lemoyne cita a carta que um tal “Brósio” escreveu falando de Dom Bosco nos tempos do seminário: “Lembro-me que, sendo eu muito jovem em Chieri, Dom Bosco era seminarista e era muito estimado pelas suas grandes virtudes não só pelos jovens, como também pelos adultos e mais idosos. Era muito apreciado por todos, pelo seu amor à juventude. Continuamente se entretinha conosco com uma afabilidade e amabilidade únicas. Podia-se dizer que vivia para os jovens. Quando os seminaristas saíam do seminário em direção à catedral, para as funções sagradas, todos paravam para vê-lo e mostravam com o dedo o clérigo de cabelos encaracolados, porque assim chamávamos o seminarista Bosco. Sua maneira de amável de tratar as pessoas me motivou a conhece-lo mais de perto e, para isso, não tive dificuldade alguma. Também Luís Comollo estava no seminário. Era um amigo inseparável de Dom Bosco, com cujos pais eu tinha uma relação muito estreita. Aproveitei esta circunstância, ao visitar Comollo, que com frequência estava com Dom Bosco, de atingir meu propósito já que, não muito tempo depois, também me tornei seu amigo, e nossa íntima amizade durou até a sua morte”.
Pe. Glauco Félix Teixeira Landim, SDB
Animador das dimensões Vocacional, Missionária e de Evangelização e Catequese da Pastoral Juvenil Salesiana
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