Nas “Memórias do Oratório de São Francisco de Sales”, Dom Bosco descreve o novo período de sua vida, no seminário. Começa falando sobre os seus superiores, expressando uma certa frustração e uma firmeza de propósito:
– “Eu queria muito bem aos meus superiores, e eles foram sempre muito bons para comigo; mas o meu coração não estava satisfeito. Era costume visitar o reitor e os demais superiores à chegada das férias e quando se partia para elas. Ninguém ia falar com eles, a não ser quando chamado para receber alguma reprimenda. Um dos superiores, por turno, vinha assistir cada semana o refeitório e os passeios: só isso. Quantas vezes queria falar, pedir-lhes conselho ou solução de dúvidas, e não podia fazê-lo. Mais: se algum superior por acaso passasse no meio dos seminaristas, todos, sem saber por que, fugiam precipitadamente para um lado ou para outro como de um cão sarnento. Isso avivava em meu coração o desejo de ser o quanto antes padre, para ficar no meio dos jovens, assisti-los e ajudá-los no que fosse preciso”.
Falou também da sua relação com os colegas de seminário, ressaltando o cuidado de escolhê-los bem, a fim de preservar sua pureza e sua vocação:
– “Quanto aos colegas, ative-me ao conselho de minha querida mãe, isto é, juntei-me a companheiros devotos de Maria, amigos do estudo e da piedade. Devo dizer, para norma de quem frequenta o seminário, que há nele muitos clérigos de grande virtude, mas há também elementos perigosos. Não poucos jovens, sem preocupar-se com a própria vocação, vão para o seminário sem possuir nem espírito nem vontade de um bom seminarista. Lembro-me até de ter ouvido a alguns colegas conversas realmente más. E quando, uma vez, foi feita uma revista nos pertences de alguns alunos, encontraram-se livros ímpios e obscenos de toda espécie. É bem verdade que tais companheiros abandonavam voluntariamente o hábito clerical ou eram expulsos, assim que descobertos. Entretanto, durante a permanência no seminário, eram como uma peste para os bons e para os maus. Para evitar o perigo de tais colegas, escolhi alguns, notoriamente tidos como modelos de virtude. Eram Guilherme Garigliano, João Giacomelli, de Avigliana, e, mais tarde, Luís Comollo. Esses três colegas foram para mim um verdadeiro tesouro”.
E por fim, nos relata como era a vida espiritual do seminário:
– “As práticas de piedade eram muito bem feitas. Todas as manhãs, missa, meditação e terço; à mesa, leitura edificante. Naquele tempo, lia-se a “História Eclesiástica”, de Bercastel. A confissão era obrigatória cada quinze dias; mas quem quisesse podia confessar-se todos os sábados. Mas só se podia comungar aos domingos ou em solenidades especiais. Algumas vezes fazia-se durante a semana, mas para isso era necessário procurar um subterfúgio. Devia se escolher a hora do café, ir meio às escondidas à vizinha igreja de São Filipe, fazer a comunhão, e depois voltar para juntar-se aos colegas na hora que iam para o estudo ou para a aula. Essa infração do horário era proibida; mas os superiores davam um consentimento tácito, porque sabiam e, às vezes, viam e não diziam nada em contrário. Pude dessa maneira receber frequentemente a Santa Comunhão, que posso chamar com razão o alimento mais eficaz da minha vocação. Já foi remediada essa falha na vida de piedade, uma vez que, por disposição do arcebispo Gastaldi, dispuseram-se as coisas de maneira a poder aproximar-se todas as manhãs da comunhão quantos quisessem fazê-lo”.
João realmente sacrificava várias vezes na semana o café e a recreação para poder receber com mais frequência a comunhão. Em relação à confissão, ainda recorria ao Pe. Maloria, o mesmo confessor do tempo da escola, que havia se recusado a acompanhá-lo no discernimento de sua vocação.
Havia se proposto a não perder tempo no seminário. Por isso, com as matérias filosóficas, não se contentava com o tempo estabelecido de aula e de estudo. Nos dias de aula, os recreios eram bastante limitados. Para o café, apenas meia hora. Às 13h30, logo depois do almoço que era servido às 12h, os seminaristas já se dirigiam para o estudo. Havia meia hora de recreio depois das aulas da tarde.
Ainda nas Memórias, conta um pouco mais sobre os recreios:
– “Quando mais longa que de costume, a recreação era alegrada por algum passeio, que os seminaristas davam frequentemente pelos lugares mui pitorescos dos arredores de Chieri. Tais passeios eram úteis também para o estudo, pois cada um procurava exercitar-se nos temas escolares, perguntando ao colega ou respondendo perguntas. Fora do tempo propriamente dito, podia cada um distrair-se andando com os amigos pelo seminário, conversando assuntos interessantes ou questões de estudo e piedade”.
Tudo isso, porém, não acalmava a ânsia de conhecimento que João possuía. Era sempre o primeiro a levantar-se da cama, a vestir-se com pressa, fazia sua higiene pessoal, arrumava a cama e punha em ordem as suas coisas, conforme pedia o regulamento do seminário. Depois se retirava para o canto de uma janela e lia durante um quarto de hora algum livro, até que soasse o sino para descer à capela. Por mais volumoso que fosse o livro o levava nas mãos e não o trocava até ler tudo. Lia sempre com muita atenção, buscando gravar tudo na memória. Esta prática de aproveitar o tempo continuou durante os seus seis anos de seminário. Assim, graças à sua inteligência e memória, acumulou muitos tesouros de sabedoria neste tempo.
Sua temperança em comer e em beber era algo surpreendente. Inspirava-se em duas grandes virtudes: amor à mortificação e amor a ser um instrumento apto na obra divina da salvação das almas. Sentia um desprazer grande quando escutava alguém falar mal da comida do seminário. Quando sua mãe ou algum amigo lhe presenteava com algo de comer, não gostava de ficar apenas para si: depois de pedir permissão, repartia com os amigos.
No seu trabalho pastoral, na Catedral de Chieri, empenhava-se com a catequese. Anos depois, partilhou com alguns salesianos que, nesta época havia tido um sonho/visão: teria se visto já como padre, de sobrepeliz e estola, porém trabalhando em uma oficina, costurando roupas velhas. Não entendeu nada a não ser quando, no futuro, se revelou qual seria sua missão com os jovens pobres.
Pe. Glauco Félix Teixeira Landim, SDB
Animador das Dimensões Vocacional, Missionária e de Evangelização e Catequese da Pastoral Juvenil Salesiana
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