Por Padre Ronaldo Zacharias
Todo cristão é chamado a viver como discípulo missionário de Jesus, o Cristo. Pôr-se no seguimento a Jesus implica, praticamente, percorrer um processo gradativo de conformação tanto com os sentimentos quanto com as opções que Ele assumiu. Jesus deve ser, portanto, o paradigma para todo discípulo missionário: o indicativo da Sua vida fundamenta o imperativo do que são chamados a ser e a fazer aqueles que O seguem.
Tanto o Jesus dos Evangelhos quanto o Evangelho de Jesus não apresentam aos discípulos missionários um manual de moralidade, mas caracterizam-se por revelar o que, de fato, é definitivo no Novo Testamento: uma maneira de viver completamente enraizada no amor. Jesus veio para os outros, aceitou livremente dar a Sua vida e, ao fazê-lo, transformou Sua própria atitude em norma suprema para os cristãos (Jo 13,34). À luz de tal novidade, a vida moral consiste na manifestação visível de uma existência que procura fazer-se ministério, dom de amor na vida dos outros. E isso exige esforço contínuo para discernir, em cada momento histórico e em cada situação concreta, as exigências que derivam do amor.
O amor, evangelicamente, é uma firme decisão da vontade de afirmar o bem do outro, decisão que implica optar por sair do centro e colocar a pessoa do outro no próprio lugar para poder servi-la conforme suas necessidades. As atitudes e as palavras proferidas por Jesus na última ceia com seus discípulos (Jo 13-17) corroboram esse significado. Quando o discípulo missionário fixa o olhar em Jesus, ele percebe que, por meio de Suas palavras e ações, Jesus confirmou o amor de Deus como amor inclusivo e salvífico, amor que visa à cura, à realização, à reintegração e à libertação de todos, especialmente dos mais pobres e vulneráveis.
Se, na época de Jesus, os mais pobres e vulneráveis eram aqueles cujas necessidades corporais não estavam inclusas na hierarquia convencional de valores do tempo em que viviam, hoje são também aqueles cujas identidades não são reconhecidas e reafirmadas na sua dignidade e nos seus direitos fundamentais. Se, ontem, Jesus propôs que a experiência de Deus transcendesse os critérios meramente convencionais para que as necessidades concretas dos mais frágeis e vulneráveis fossem atendidas (Lc 10,25-37), hoje Ele pede que o discípulo missionário tome a iniciativa de colocar-se no caminho daqueles que sofrem as consequências da violência, discriminação, perseguição, marginalização e exclusão por causa do que são e/ou do modo como vivem. É por aqui que passa a conformação aos sentimentos e às opções dEle.
Pôr-se em tal dinâmica exige dos discípulos-missionários uma opção clara e decidida por amar como Jesus amou, a ponto de dar a vida para afirmar o bem do outro, retirar-se quando isso for necessário para que o outro cresça, fazer-se presente no processo de humanização ao qual cada pessoa é chamada a percorrer, evitar toda espécie de narcisismo, autorreferencialidade, duplicidade e mediocridade de vida. Tudo isso implica assumir uma postura diante do outro que se caracteriza pela qualidade e significatividade das relações.
Para que isso seja possível, os discípulos missionários devem visar à integração da afetividade e sexualidade no próprio projeto de vida e à edificação de uma nova cultura das relações, em que autonomia e autenticidade, liberdade e responsabilidade, justiça e fidelidade, cuidado e serviço tenham prioridade sobre qualquer forma de poder e autoridade. Nesse sentido, alguns elementos precisam ser considerados.
Somos pessoas sexuais. A sexualidade é uma dimensão constitutiva da personalidade. Ela caracteriza o modo de a pessoa ser, manifestar-se, comunicar, sentir, expressar e viver o amor. Não há outro modo de a pessoa existir a não ser “na carne”, isto é, como pessoa profundamente marcada pela própria sexualidade. É a partir da própria condição – como homem ou como mulher – que cada pessoa sai de si e entra em relação com os outros, com Deus e com o mundo. Consequentemente, não há outro modo de se realizar a não ser como pessoa sexual, pessoa que “abraça” a própria sexualidade como dom, faz de si dom para os outros e insere-se no mundo com dom para toda a criação. A sexualidade é, portanto, “lugar” de relação. Orientada, elevada e integrada pelo amor – que é o único a torná-la verdadeiramente humana –, a sexualidade é chamada a ser “lugar” de relações amorosas significativas, isto é, de relações que humanizam e afirmam o bem das pessoas. Quando reduzida à genitalidade e, consequentemente, não integrada num projeto de vida que lhe dê significado, a sexualidade, pelo fato de expressar também toda a fragilidade humana, pode tornar-se “lugar” de experiências desumanizadoras. Em outras palavras, assim como ela pode ser linguagem de amor, fidelidade, reciprocidade, abertura, diálogo, autodoação, ela pode ser também linguagem de infidelidade, abuso, exploração, violência, uso, posse.
Empenhos concretos: abraçar a sexualidade como dimensão positiva da própria existência; empenhar-se em fazer-se dom na vida do outro; avaliar constantemente a linguagem das próprias relações; esforçar-se para viver os significados positivos da sexualidade e, decididamente, evitar os negativos.
Somos pessoas que têm desejos. A orientação afetivo-sexual, assim como a sexualidade, é dimensão constitutiva da pessoa, faz parte da sua personalidade e condiciona o seu modo de ser e viver. Ela se define pelo fato de a orientação do objeto do próprio desejo ser predominante ou exclusiva por pessoas do sexo oposto ou do mesmo sexo, caracterizando o tipo de atração que cada um sente. Ninguém escolhe o objeto do próprio desejo; todos o descobrem à medida em que crescem e amadurecem. Portanto, não se pode dizer que a orientação afetivo-sexual seja uma opção. O que entra no campo optativo é o modo como a pessoa satisfaz o próprio desejo, mas não o desejo e/ou a atração em si. A orientação afetivo-sexual também deve ser integrada no próprio projeto de vida, pois as pessoas amam como homens e mulheres que, em relação à própria identidade sexual, são hetero ou homossexuais.
Empenhos concretos: assumir a própria orientação afetivo-sexual; reconhecer que os desejos permeiam todas as relações; evitar fazer acepção de pessoas por causa da maior ou menor atração por elas; purificar constantemente os próprios desejos e integrá-los no próprio projeto de vida.
Somos pessoas chamadas à castidade. Castidade significa a integração da sexualidade na personalidade e no próprio projeto de vida. Ela não é sinônimo de continência sexual, que implica abster-se do sexo para a experiência do prazer. Alguém pode ser abstinente sem, necessariamente, ser casto, isto é, pode ficar sem sexo e não conseguir integrar a própria sexualidade. É preciso ter presente, ainda, que a abstinência sexual, por si mesma, não é capaz de controlar o desejo sexual. A energia sexual é tão potente que não depende unicamente da vontade da pessoa ou de uma autoridade externa. Em outras palavras, não basta querer ficar sem sexo: é preciso ter condições objetivas para isso; não basta impor a abstinência: é preciso considerar o que ela significa na vida das pessoas. Uma das condições objetivas para ficar sem sexo é a capacidade de sublimação, isto é, de reorientação e ressignificação do próprio desejo, capacidade essa que também não depende unicamente da própria vontade. Por isso, a definição do próprio projeto de vida é condição para viver tanto a castidade quanto a sublimação do desejo sexual, pois é esse projeto que vai dizer como amar e como realizar tal desejo.
Empenhos concretos: assumir a integração da sexualidade como desafio perene; reconhecer a diferença entre querer e poder abraçar um determinado estilo de vida; evitar demonizar o sexo e a experiência sexual; empenhar-se no processo de sublimação dos próprios desejos; resgatar o significado positivo de castidade.
Somos pessoas em processo de amadurecimento. É impossível separar da maturidade pessoal o modo como as pessoas vivem sexualmente, pois a maturidade sexual faz parte da maturidade humana. A maturidade afetivo-sexual está profundamente relacionada com a fundamental consistência entre o que a pessoa é e o que ela professa ser, como resultado da integração entre identidade autônoma e interdependência mútua. Portanto a maturidade torna-se externamente evidente por meio da capacidade de a pessoa ser fiel aos seus compromissos e deveres é assumir relações de reciprocidade. Por fazer parte da maturidade humana, a maturidade sexual é mais do que um estado a ser alcançado. Trata-se de um processo a ser assumido, processo este que deve caracterizar-se pela abertura e doação de si ao outro e, consequentemente, pelo distanciamento de um estilo de vida que favorece a atração narcisista, a autocontemplação e a autorreferencialidade. O amadurecimento afetivo-sexual, ao mesmo tempo em que pressupõe, manifesta-se como abertura, partilha, diálogo, mutualidade e respeito em relação ao outro.
Empenhos concretos: reconhecer que o amadurecimento é um processo feito de altos e baixos; procurar a coerência entre a dimensão interna e a dimensão externa da própria existência; assumir com constância e fidelidade o cumprimento dos próprios deveres; optar por um estilo de autocontrole que favoreça a autodoação.
Somos pessoas vulneráveis. O autoconhecimento é muito importante para poder reconhecer, inclusive, determinadas patologias na forma de ser e amar e, consequentemente, poder superá-las ou tratá-las. Nem sempre as pessoas são o que gostariam de ser; nem sempre amam como gostariam de amar. A tendência a uma vida autoerótica é uma possibilidade concreta, que se manifesta por um estilo de vida egocêntrico, ensimesmado, narcisista, que leva a servir-se do outro para a realização dos próprios desejos, que busca apenas o que oferece prazer ou gratificação de forma imediata. O reconhecimento humilde, mas honesto, da condição de vulnerabilidade intrínseca ao humano – e, consequentemente, da necessidade de se estabelecerem e respeitarem determinados limites –, associado à consciência do dever de conformar-se aos sentimentos e às opções de Jesus – e, consequentemente, de impor-se um estilo de vida caracterizado por ser expressão do amor e da misericórdia de Deus –, pode ser um dos melhores instrumentos preventivos de toda espécie de abuso.
Empenhos concretos: deixar-se acompanhar no processo de autoconhecimento e autoaceitação; optar sempre pela verdade e por comportar-se de maneira autônoma e autêntica; impor-se limites com a liberdade própria de quem pode prescindir deles quando não mais necessários; evitar um estilo de vida autoerótico e autocontemplativo.
Somos pessoas chamadas a viver como vocacionadas. No seguimento a Jesus, o Cristo, a vocação do discípulo missionário não é apenas uma escolha que depende unicamente da pessoa. Trata-se de um chamado divino que se dá num constante processo dialogal. Em outras palavras, viver como vocacionado implica optar pela experiência do êxodo de si, isto é, sair de um “eu” autocentrado para receber-se como um “eu” chamado e constantemente provocado por Deus. A fidelidade de Deus precede e sustenta a resposta do discípulo missionário ao chamado divino. É a percepção e a convicção dessa realidade que fazem com que a pessoa vocacionada tenha consciência dos desafios morais da própria vocação. Viver como vocacionado pressupõe deixar com que a própria identidade seja definida ou redefinida por um “eu” constantemente interpelado pela vontade do Pai, seduzido pela pessoa do Filho e guiado pela força-ação do Espírito. Em outras palavras, é a relação amorosa com Deus que capacita o discípulo missionário a relações significativas com os outros. Ninguém pode ignorar o fato de ser um “vaso de barro” e, portanto, chamado a uma contínua conversão da mente e do coração. O cuidado com o vaso é de suma importância, a fim de que o tesouro não se perca ou deixe de resplandecer toda sua beleza. O melhor modo de cuidar tanto do vaso quanto do tesouro é o de permanecer unido à videira para poder produzir bons frutos (Jo 15,5).
Empenhos concretos: agradecer o chamado a ser discípulo missionário de Jesus; empenhar-se para viver em relação dialogal e amorosa com Deus; avaliar se a relação com Deus permeia e qualifica as relações com as pessoas; preocupar-se em dar bons frutos; exercitar a virtude da humildade.
Somos pessoas em contínuo processo de aprendizagem. A cultura é um modo de ser e viver que dá sentido à vida de um determinado povo. No contato com diferentes realidades socioculturais é preciso que se tenha presente a pluralidade de formas de viver e amar. Por isso, o processo de inculturação é muito importante, como atitude concreta de respeito a outras realidades e a outros povos. No entanto, não se pode absolutizar nenhum determinado modo de viver e amar, visto que todos são resultado de processos históricos condicionados por uma multiplicidade de interesses, pressupostos, ideologias, circunstâncias, hermenêuticas. Isso significa que não é possível partir do pressuposto de que todas as expressões do comportamento sexual devem ser aprovadas pelo simples fato de serem próprias de uma determinada cultura. Até mesmo uma forma culturalmente aceita de comportamento sexual pode alcançar um grau maior de humanização. Ajudar nesse processo implica assumir a inspiradora atitude do “bom samaritano” (Lc 10, 25-37): mais do que se perguntar quem é o seu próximo, os discípulos missionários deveriam tomar a iniciativa de se fazerem próximos, de se colocarem no caminho de alguém, de serem significativos na vida de quem mais precisa. Isso implica se empenharem sempre para dar o melhor de si, afirmar o bem do outro, amar como Jesus amou.
Empenhos concretos: desenvolver o espírito crítico diante da realidade concreta; discernir como viver de modo autenticamente humano no contexto em que se encontra; decidir pôr-se no caminho de quem mais precisa de acolhida e acompanhamento; empenhar-se para integrar a todos na comunidade.
Em tudo, mas de modo especial na esfera da sexualidade, o discípulo missionário deve sempre ter como máxima a orientação dada pelo apóstolo Paulo aos coríntios: “a mim tudo é permitido, mas nem tudo me convém” (1Cor 6,12). O discernimento entre uma coisa e outra dependerá da capacidade de amar como Jesus amou.
Editoria: Ana Laet – Comunicação Social ISSP