Em 20 de novembro, é celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra. A data relembra a morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares; marca a luta contra o preconceito racial e reforça a conscientização sobre a relevância da cultura negra na formação do povo brasileiro. É uma data que relembra o sofrimento dos negros, desde a época da colonização do Brasil, e também reaviva a luta desse povo por respeito, continuidade e valorização dos seus costumes e crenças.
O tema da consciência negra passou a ser fortemente refletido pela Igreja no Brasil no ano de 1988, com a Campanha da Fraternidade que teve o lema “Ouvi o clamor deste povo”. Nesse mesmo ano, foi promulgada a Constituição da República e a comunidade negra teve duas conquistas registradas na redação da nova Carta: criminalização do racismo e demarcação das terras dos remanescentes de quilombos.
Foi nesse contexto que alguns salesianos negros, inseridos no processo de reflexão na Igreja e na sociedade, trouxeram o tema para o mundo salesiano. “Uma pergunta pairava no ar: como ser salesiano negro preservando a sua identidade de afrodescendente? A resposta a esse questionamento deu início à reflexão sobre a inculturação na Inspetoria São João Bosco”, relata o irmão salesiano Manoel de Souza Santos, articulador inspetorial da Inculturação. Segundo Santos, esse foi um tempo de grande despertar de grupos e movimentos culturais de consciência negra. “Os diversos movimentos organizados nessa época tinham uma bandeira comum: resgatar suas expressões culturais e afirmar a sua identidade cultural como afrodescendentes”.
Inculturação do carisma salesiano
De acordo com o teólogo Paulo Suess, a inculturação “é o processo ativo de assimilação da mensagem evangélica a partir de dentro mesmo da cultura que a recebe, por meio do testemunho e do anúncio evangelizador, e a compreende e traduz segundo o seu modo cultural próprio de ser e perceber, de atuar e de anunciar”.
Irmão Manoel explica que a inculturação do carisma salesiano pode ser entendida como o processo dialógico entre a fidelidade ao carisma de Dom Bosco e a fidelidade aos contextos históricos dos destinatários e colaboradores da missão salesiana. “O carisma salesiano não existe abstratamente, mas está revestido de traços culturais. Como está em todo o mundo é chamado a inculturar-se pelo espírito de família, hospitalidade, solidariedade e a reafirmar a sua opção missionária preferencial pelos pobres e excluídos”, afirma o salesiano, completando: “Assumindo a missão salesiana, somos chamados a assumir a diversidade cultural da sociedade em que estamos inseridos, combatendo o racismo, o sexismo, a xenofobia. A promoção da igualdade étnico-racial é uma dimensão básica para a realização da nossa missão”.
Um pouco de história
Há mais de 20 anos, o tema inculturação foi incorporado, por meio da promoção de encontros anuais, na Inspetoria São João Bosco, que atua nos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Goiás e Tocantins, além do Distrito Federal. O processo teve início em 1988, quando se comemoraram os cem anos da Abolição da escravatura no Brasil. Desse momento até 1992, um pequeno grupo de salesianos se reunia anualmente para refletir sobre a sua identidade. Os encontros passaram a contar com a participação de leigos e outros salesianos solidários à causa, por isso começaram a ser identificados como “Encontros de Salesianos Negros e Solidários”.
A partir de 1996, ampliou-se a visão de inculturação ligada ao carisma. Os encontros receberam a denominação de “Encontros de Inculturação do Carisma Salesiano em Contexto Afro-brasileiro”. Em 2010, o 18º Encontro ampliou o foco da inculturação para a diversidade cultural e as ações afirmativas.No ano de 2012, o 20º Encontro de Inculturação teve um novo foco no Sistema Preventivo e direitos humanos, na perspectiva das relações étnico-raciais.
No entanto, mais importante que os encontros inspetoriais são as diversas atividades realizadas, ao longo do ano, nas unidades da inspetoria. São oficinas com crianças, adolescentes e jovens, fundamentadas por um projeto pedagógico e pastoral salesiano. Também são promovidos eventos formativos com educadores. Em todas essas atividades, a expectativa é contribuir para que educandos e educadores possam desenvolver um processo de busca da superação de preconceitos, da discriminação e do racismo.
Resultados
Os resultados desse trabalho de mais de duas décadas já podem ser sentidos em muitas frentes. Uma delas é a educacional. O Colégio Dom Bosco de Araxá, MG, por exemplo, recebeu o Prêmio Construindo a Nação 2013 – um concurso nacional no qual concorreram mais de 7,6 mil escolas públicas e particulares – por dois projetos pedagógicos, “Chica da Silva – a rainha dos diamantes” e o “Somos da Cor”, que foram desenvolvidos pelos alunos do ensino fundamental 2 e médio. “Esses projetos possuem aspectos de valorização dos visos culturais e a inculturação do carisma salesiano nas diferentes realidades em que se insere a ação pedagógica”, destacou o professor Adilson de Paula, que representou o colégio na solenidade de entrega do prêmio. Outra iniciativa que merece atenção é a oficina “África em nós”, oferecida para crianças no Centro Juvenil São Pedro, em Campos dos Goytacazes, RJ. A atividade tem por objetivo valorizar a influência africana e afro-brasileira em toda a cultura nacional, desde a chegada do negro até os dias atuais, no fortalecimento da identidade e no respeito à diversidade.
Ao longo do tempo já foram alcançadas algumas conquistas como, por exemplo, a construção de parcerias, em várias unidades, com órgãos públicos e privados no financiamento de projetos de ações afirmativas e de promoção da igualdade étnico-racial; a adesão de todos os sistemas da ISJB ao projeto da inculturação: escolas, ação social, Família Salesiana, paróquias, formação e animação vocacional; e a criação de uma Comissão Inspetorial de Inculturação. No entanto, alguns pontos ainda precisam ser alcançados, como pontua o irmão Santos: “Já caminhamos muito na linha da reflexão e das ações afirmativas. Agora o nosso grande desafio é a implantação da política institucional da promoção da igualdade étnico-racial e de combate ao racismo. Isso requer de nós a criação de mecanismos capazes de monitorar e combater os comportamentos que fogem ao princípio da promoção da igualdade étnico-racial, que, na nossa Inspetoria, é um valor básico”.
Camila Santos para o Boletim Salesiano – Colaborou irmão Manoel de Souza Santos, articulador inspetorial da Inculturação (Inspetoria São João Bosco).